EU NÃO ARDO NAS SOMBRAS, CONSTRUO ALVORADAS!...

sábado, 27 de dezembro de 2025

É ESPANTOSA A NOITE NO TEU ROSTO

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                                               É espantosa a noite no teu rosto.
                                               Não a noite sombria dos medos
                                               mas a noite profunda, onde o silêncio respira
                                               e tudo ganha profundidade.

                                               Há em ti um crepúsculo lento,
                                               Uma sombra que não se esconde – revela.
                                               O teu olhar carrega estrelas solitárias,
                                               dessas que só brilham
                                               para quem se aproxima sem pressa,
                                               como se já soubessem
                                               onde o meu corpo hesita
                                               e onde a minha vontade cresce.

                                               E, quando te olho,
                                               é como entrar num quarto onde a luz
                                               quase se apaga, para que os teus gestos
                                               falem mais alto que as palavras.

                                               A noite em ti é espantosa
                                               porque é viva. Porque pulsa.
                                               Porque me envolve antes do abraço,
                                               me desnuda antes do gesto
                                               e me deixa à mercê do que ainda não aconteceu.
                                               E quando sorris,
                                               é como se o amanhecer tivesse decidido
                                               nascer só para mim.

 

albino santos
*Reservados Todos os Direitos de Autor

domingo, 21 de dezembro de 2025

FELIZ NATAL 2025 PARA TODOS !...

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Nesta vessão de 1962, Torga tinha já uma visão que se compagina, tão nua, intensa e dolorosamente com a realidade actual. É este o fascínio da Poesia, que leva o Poeta a projectar no tempo as suas convicções de uma forma pueril, mas tão absolutamente reais!


Um anjo imaginado
um anjo dialéctico, actual,
ergueu a mão e disse:
- É noite de Natal, paz à imaginação!
E todo o ritual que antecede o milagre habitual
perdeu a exaltação.
Em vez de excelsos hinos de confiança
no mistério divino,
e de mirra, incenso e oiro
derramados no presépio vazio,
duas perguntas brancas,
regeladas como a neve que cai,
e breves como o vento
que entra por uma fresta, quezilento,
redemoinha e sai:

- À volta da lareira, quantas almas se aquecem,
fraternalmente?
- Quantas desejam que o Menino venha ouvir,
humildemente,
o lancinante crepitar da lenha?



Miguel Torga ( escrito em S. Martinho de Anta em 24 de Dezembro de 1962)
In Poesia Completa / Edições D. Quixote.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

VOLTO

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Diz-nos Rainer Maria Rilke:

 

“Hoje tudo é ontem. O ontem é uma parábula onde o poeta, vencido pelo sono adormeceu. Mas um dia, o poeta acorda para um amanhã que sonhou eterno… e voltou.”

E tal como Rilke, também eu volto! Volto ao que me investe de ímpeto e de afecto. Volto ao rumor das linhas solitárias. De sonho e vertigem. Volto-me às minhas crenças. Ao inconformismo, que é congénito de todos os poetas. Volto como quem volta de uma grande viagem. Como quem, por fim, volta ao colo materno sugando o bico leitoso do seio da mãe.

Volto para contemplar tudo aquilo que eu já contemplei. Ao mesmo argumento, às mesmas dúvidas, à palavra convulsa, impetuosa. Palavra espasmo fora de hora, acrescentando o divino que a gente nunca sabe se existe. Palavra que sai fora de todas as lógicas, indo ser livre, amando e sofrendo entre sonhos e esquecimentos. Volto-me para o confuso. Franco. Imprevisível. Volto para o solitário do poeta.

Volto. Mais feliz, sim! Mais urgente. Mais afectivo. Como um coreógrafo da mente que dança com o sentimento dos outros. Como uma sombra cansada de sombrear o verde da montanha, escorrendo o verde da tarde. E se eu tento descrever o que vejo - a tarde entardecendo - eu escrevo o verde nos meus versos, que também são de esperança. Ou minto a paisagem e coloro de negro a sombra vegetando o monte. Sem argumento. Sem minúcias.

Então descubro que escrevo o egoísmo da mente, como se eu visse por dentro todas as paisagens do mundo. Cada passo que eu dou é um raio de sol que me atinge acentuando o brilho dos meus olhos. E a boca preenchida pelo sorriso, ou por um beijo arredio que alguém por esquecimento deixou na minha boca. Uma boca num lugar sem data!


O Autor
albino santos

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

UMA BOCA NUM LUGAR SEM DATA

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Este será o meu próximo livro, que será apresentado ao público no dia 13 de Dezembro, pelas 16 horas, no Auditório da Biblioteca Municipal de Gondomar.
A obra, será apresentada pela Drª Isabel Santos.

Estão desde já todos convidados para o evento. A V/ presença, será para mim muito gratificante.

                                                                          *** *** ***

No conjunto de textos contidos nesta obra, descobriremos percursos de um novo encantamento, onde as palavras gravitam pelo fascinante mundo das emoções, entre paixões e esquecimentos, onde tudo é tão próximo e intocável. 

“Quando era Verão na minha boca, o meu nome era um barco. Eu o navegava, sem âncora nem porto. Mas eu, não era apenas um barco – era a própria viagem. A vertigem de seguir-te e deixar-me levar pelo fluxo secreto que existia  entre a tua boca e a minha rota imaginada. Eras o mar inteiro, vasto e infinito, a chamar-me para sempre, como uma boca num lugar sem data.

O acompanhamento da edição deste livro e a sua promoção, vai certamente retirar-me tempo para estar convosco. Espero a V/ compreensão.

albino santos

terça-feira, 4 de novembro de 2025

OS AMORES NÃO MORREM

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Os amores não morrem. Apenas se recolhem, silenciosos, como pássaros cansados nas sombras do crepúsculo, esperando o tempo certo para regressar. Há um instante entre o dia e a noite em que o tempo parece suspenso, e é aí que o amor adormece, com o coração ainda aceso sob o véu da bruma. Não há túmulo para o amor. O que chamamos fim é apenas uma curva apertada na estrada do sentir. O que parece esquecimento é repouso, o que parece distância é só um desvio imprevisto do destino. Porque o amor, quando é verdadeiro, não se extingue – transforma-se, discretamente, em lembrança que aquece o peito quando o mundo faz frio. E então, um dia, sem aviso – um cheiro, uma voz, um pedaço de música – acende o que parecia cinza. E o olhar, outrora inquieto e triste, volta a brilhar. O amor acorda da penumbra, como o sol que insiste em nascer mesmo depois da noite mais longa. E compreendemos, tarde talvez, que o amor não parte: apenas recolhe as suas asas por um tempo, para regressar mais intenso, mais maduro, mais inevitável.




albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

domingo, 2 de novembro de 2025

O QUE RESPIRA... AINDA VIVE!...

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Por vezes, na vida, não há alquimia, nem saber, nem esperança – apenas um patíbulo. A existência suspende-se na fragilidade de um fio, e o ar tem o peso do mundo. Tudo o que era sombrio torna-se cada dia mais denso, e os gestos, antes cheios de destino, agora vacilam, enquanto crescem dentes à noite solitária. Nessas horas, o coração é apenas uma pedra húmida e fria à beira do abismo, onde o vento vem confessar a sua própria solidão. Não há fórmulas que curem, nem preces que adiem o dever de cumprir-se a negra quietude das violetas. O tempo, esse velho carrasco, percorre o corredor do mundo sem pressa, deixando atrás de si o som lento das amarras invisíveis que acorrentam as palavras, o corpo, o desejo, o amor.

Ainda assim, há um instante – breve, quase inaudível – em que a sombra se torna memória, e a dor, claridade. No patíbulo de madeira gasta pelo tempo, nasce uma flor que ninguém plantou. Talvez seja isso o que resta da alquimia: a certeza de que, mesmo no limite da ausência, algo insiste em permanecer – uma centelha, um rumor, um vestígio de eternidade a passear-se entre as ruínas. Porque mesmo quando nada sobra senão a sombra do tempo, essa sombra ainda respira. E o que respira, ainda vive. 




albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A ILHA

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           No fim do caminho, quando os passos já não dormem e o horizonte se curva em silêncio, há uma ilha onde o tempo abranda, onde os nomes se desfazem como conchas na espuma, e as memórias adormecem no embalo do mar. Ali, o vento já não pergunta. Ele sabe. Ele sabe de onde vieste, quem trazes na alma, que dores trazes no peito, que lutas trazes nos olhos. E acolhe-te, como se fosses um barco cansado voltando ao cais. O sol ali não queima, deixa apenas a filigrana das carícias, com dedos antigos de luz quente e suave. A ilha é o repouso das vozes que emudeceram. Morre-se ali, sim, como quem se deita depois de uma jornada. E adormecer é apenas mudar de céu, como quem vira o rosto num lençol fresco. Morre-se devagar, como quem se despede do corpo com reverência. O espírito, enfim liberto, parte com o vento ancestral. As dores desaprendem os seus contornos. Os nomes amados, perdidos no tempo, vêm ao encontro, translúcidos como lembranças. No fim do caminho há sempre essa ilha. Não como castigo, mas como consolo. Um lugar onde já não se precisa fugir, onde as saudades se desfazem na areia fina, onde o coração, finalmente repousa. E assim se adormece, como quem desperta para dentro do infinito.



albino santos
* Reservados Todos os Direitos de Autor