Manuel Bandeira assegura que “a poesia está em tudo, tanto nos amores, como nos chinelos” e Adriana, parafraseando em Um beijo de Colombina, lamenta: “desentranhar a poesia deste mundo. Eu bem que gostaria. Alguma coisa sempre me escapa, amigo Manuel Bandeira, meu irmão. Alguma coisa sempre me escapa. Os amores, os chinelos.”
Carioca, nasceu em 1970, começou sua carreira com a publicação do romance Os fios da memória e se seguiram Sinfonia em branco, Um beijo de colombina, Rakushisha e Azul-corvo, além da coletânea de contos curtos e poemas em prosa Caligrafias, a novela O coração às vezes para de bater e os livros infanto-juvenis Língua de trapos, A sereia e o caçador de borboletas e Contos populares japoneses.
Com uma propensão ao nostálgico, equilibrando forma e conteudo, Adriana fundamenta a literatura brasileira de qualidade. Seus livros foram publicados em dez países e já recebeu os prêmios José Saramago, Moinho Santista, Autor Revelação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, entre outros. Graduada em música pela Uni-Rio, fez mestrado em literatura brasileira e doutorado em literatura comparada na UERJ. Traduziu para o português autores como Robert Louis Stevenson, Cormac McCarthy, Marilynne Robinson, Jonathan Safran Foer e Maurice Blanchot. Morou na França, passou algum tempo no Japão e vive hoje nos Estados Unidos.

O que há de peculiar em ser uma escritora brasileira em terras estrangeiras?
Escrevo em português, ouvindo outra língua durante boa parte do dia, e vou ao Brasil uma ou duas vezes por ano. Isso cria uma espécie de esquizofrenia na minha vida – ao mesmo tempo, cria uma distância saudável dos dois mundos. Por exemplo: nunca me envolvo nas rixas que volta e meia acontecem no meio literário brasileiro. Com frequência, nem fico sabendo delas. Ao mesmo tempo, não faço parte dos círculos literários do país onde moro, os Estados Unidos, o que torna minha vida mais simples, mais fácil. Mais “civil”.
Quando trata das impossibilidades do amor em suas histórias, transpõe aquilo que acredita ser verdade ou é apenas uma forma de problematizar suas criações?
Acredito, em parte, ser verdade. O amor (nas relações entre duas pessoas) é uma construção, uma ficção, uma dúvida, em grande parte é aquilo que projetamos no outro e aquilo que esperamos do outro, e somente quando temos maturidade para compreendê-lo como tal podemos compreender, também, a pessoa a quem amamos. De uma forma menos narcísica. Com limitações, frustrações, imperfeições. Como de resto é nossa vida.
Li em uma entrevista que seus personagens favoritos são os de Azul-corvo. Dos seus livros, tem algum que como um todo, é o que mais gosta?
Em geral, é sempre o último livro. Azul-corvo, no momento, é o trabalho que considero mais bem sucedido (de acordo com os meus próprios parâmetros e expectativas). Tenho um carinho especial por Rakushisha, por vários motivos, mas invariavelmente já encontro nele passagens que teria escrito de outro modo, hoje. É inevitável.
Toda a vivência e personalidade de seus personagens são inspirados em algo/alguém?
Não especificamente, embora eu esteja sempre atenta a histórias que observo ou que me são narradas por outras pessoas, e que algumas vezes são incorporadas na narrativa.
Trabalhar como tradutora fez com que tratasse suas produções de forma mais minuciosa?
Sem a menor dúvida. Traduzir é uma forma de ler mais atentamente, e isso acaba se refletindo numa atenção redobrada, no meu caso, na hora de escrever: a atenção ao ritmo, à sonoridade, à escolha das palavras, à pontuação, etc.
Em Um beijo de Colombina, você diz que “se a vida imita a arte, que imita a vida, que imita a arte, Teresa era uma personagem de Teresa. Ela se escrevia.” Você também se escreve?
Na verdade, penso que escrever é um modo de processar o mundo, de tentar entendê-lo – é uma reflexão infelizmente fadada ao fracasso, pois o mundo não se submete. O mundo escapa a todos os nossos esforços de fazer sentido dele. Então, não é que eu me escreva, exatamente: eu escrevo a minha curiosidade e a minha perplexidade diante do mundo, da vida, da morte, do amor, desse grande mistério que é abrir os olhos pela manhã e ir à luta.