Só por uma noite. E é assim que tem que ser.
13 agoÓdio criativo
16 marPara ler ouvindo:
Me dizem que sou jovem. Muito jovem. Jovem para escolher, esmoecer, desistir. Dizem que eu sou jovem demais para odiar. Eu poderia muito bem entrar nesse modo ‘bukowskiano’ de vida onde apenas viveria, me enchendo sempre de pessoas e de cerveja, ou na maioria das vezes só cerveja. Ponderei. Achei melhor não.
Eu gosto de odiar, alivia minhas inquietações. Traz outras centenas, mas quem liga? Hoje escrevo mais solta, talvez eu deva isso a todas elas. O ódio me faz relacionar músicas a você. Me faz reler as cartas e as dedicatórias das fotos. Abrir e-mails antigos e desinterrar os presentes do fundo daquela caixa de sapatos, que guardei embaixo da minha cama, e pensar em um fim dramático e doloroso para cada um deles. E para o dono deles também – não se engane.
Meu ódio é amor subvertido. É criativo, destrutivo, corajoso, mas fugaz. Permanente e passageiro, consegue compreender? Não? Nem eu. Te odiar significa desejar que você caia do 10.º andar do seu prédio. E torcer para que eu esteja lá, milagrosamente, de braços abertos para te amparar. Meu ódio beira o ridículo, mas afinal, qual amor não é?
Só por hoje.
17 set– Uma dose daquele tinto. Do mais vagabundo, por favor – Eu pedi.
Ele seguiu minha ‘ordem’, como todo bom garçom que se preze. Enquanto me servia o vinho, me viu, em um lampejo, mudar de ideia.
– Me traz uma dose de Jack. Isso, sem cara de susto. Uma dose bem servida de Jack Daniels, com duas pedras de gelo. Melhor, sem gelo algum. Uma dose pura.
E ele o fez, assim como da primeira vez. Peguei o copo, e tomei toda a minha primeira dose de uma vez só. A essa hora, tudo se confundia no meu rosto, pálido. Nele, apenas a cor do malte escocês diferenciava as lágrimas do que eu tinha deixado escapar do gole. Talvez fosse até possível confundi-los.
Eu queria – e precisava, mais do que qualquer coisa, que aquilo, aquela dor, fosse embora. E só as últimas gotas do uísque que sobraram dentro do copo presenciavam tamanha inquietação, resultado de uma relação intermitente que chegou ao fim. E era só o que restava, naquele momento.
O vazio. Aquele vazio em particular, o vazio do banco ao lado. O vazio que você deixou. Talvez mais doses preenchessem a minha madrugada melhor que os seus suspiros. Talvez a disponibilidade do garçom em me atender me fizesse lembrar justamente o contrário, como a falta de tempo que tínhamos.
Mais um, dois, três copos e cigarros. Ainda choro. Sei que nada vai mudar. Ou talvez sim, quem sabe. ‘O futuro a Deus pertence’, você dizia, enquanto afagava o meu cabelo, em um dos nossos domingos.
Pedi tanto para que não se apaixonasse, e quem caiu na sua armadilha fui eu. Implorei. Em uma das brigas me dei conta. Queria mais. Queria saber o que significávamos. Hoje, passado tanto tempo, bebo uísques sozinha em um bar qualquer da Avenida Paulista. Ainda faz frio em São Paulo. Mas dessa vez quem me fita com olhos de incompreensão é o pobre garçom.
– Moça… Desculpa… Mas vamos – seu olhar de súplica me dizia ‘precisamos’ – lavar o bar. A senhora vai ficar… Hum… Aí?
Eu permaneci inerte.
– Vocês não fecham nunca, posso ficar? Preciso ficar.
Ele consentiu, e despejou o balde d’água no chão, sem disfarçar sua desconfiança. Eu e o bar. Eu, o bar e alguns garçons. Quatro horas da manhã de uma madrugada de quinta. Céus! Que diabos eu estou fazendo aqui enquanto a vida corre lá fora? Solucei. Pela última vez.
Chega. Bebi meu último gole quando já havia perdido as contas dos copos. Se a intenção era ‘beber o defunto’, como meus avós faziam no interior quando alguém morria de verdade, eu já tinha bebido o cemitério inteiro. E o meu defunto estava vivo, dormindo em uma cama estranha em algum lugar dessa cidade.
Peguei minha bolsa e levantei do balcão. ‘Amanhã eu passo para acertar’, avisei. Era a hora do basta, do ponto final. Saí do bar e caí no mundo. Eu simplesmente não podia sentar e observar a vida passar.
Vou me tratar. Assim como se faz com toda dependência sabe? Vivendo um dia de cada vez. Podendo dizer ‘só por hoje’. Só por hoje eu não pensei em você.
