sábado, 27 de dezembro de 2025

Os Bahá’ís e o Comunismo

Por Ming Tai-Seale.

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Um novo amigo da China perguntou-me recentemente: "Posso ser Bahá'í e membro de um partido político, ou de alguma outra religião?"

Este visitante inquisitivo da China assistiu a um “fire-side”, uma reunião informal" em minha casa onde estavam Bahá’ís e amigos interessados em discutir a unidade da humanidade. Nestes encontros calorosos e sinceros, partilhamos experiências pessoais, reflectimos sobre temas como o propósito da vida, o que significa viver espiritualmente e o que nos acontece quando deixamos este mundo. Falámos sobre o porquê de existirem tantas religiões e sobre as semelhanças e diferenças entre estas religiões e outros sistemas de pensamento político e social, como o Cristianismo ou o comunismo.

Este novo amigo disse que se sentiu tão tocado pelos ensinamentos da Fé Bahá’í e pela amorosa comunidade Bahá’í que quis tornar-se Bahá’í. Recebemo-lo de braços abertos — a Fé Bahá’í é muito inclusiva e todos são bem-vindos. Alguns dias depois, contou-nos que tinha participado em estudos bíblicos e que também acreditava nos princípios do comunismo. Queria saber se poderia ser Bahá’í e, simultaneamente, membro de outra igreja ou de um partido político.

Adoro conhecer novos amigos que descobrem a Fé Bahá'í. As suas perguntas proporcionam-me frequentemente novas perspectivas para o meu próprio despertar espiritual e ajudam-me a viver melhor como Bahá'í. Lembro-me da emoção que senti quando descobri a Fé Bahá’í em Atlanta, Geórgia, consigo identificar-me com a sua profunda admiração ao descobrir esta nova fé.

Quando estudava em Emory, um clérigo convidou-me para estudos bíblicos. Recusei porque não me sentia uma ovelha perdida, nem que precisasse de ser salvo por um pastor sino-americano idoso e pela sua congregação. No entanto, o convite dos Bahá’ís para estudarmos juntos foi completamente diferente.

Os Bahá’ís que conhecia convidaram-me a construir um mundo melhor com eles — porque isso não pode acontecer sem a participação activa das pessoas de todo o mundo.

Nobre te criei”, disse-nos Bahá’u’lláh n’ As Palavras Ocultas. O meu coração identificou-se imediatamente com esta mensagem, especialmente porque a minha educação chinesa me incutiu a crença de que todos os seres humanos nascem puros e bondosos. A visão de trabalhar com parceiros afectuosos que me consideram um ser nobre, digno de ajudar a construir um mundo melhor – foi um convite que me senti honrado por aceitar. Afinal, uma das bandeiras na Praça Tiananmen (a Porta da Paz Celestial), que separava o antigo Palácio Imperial do povo de Beijing, diz: “Viva a unidade de todos os povos do mundo”.

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Praça Tiananmen
À esquerda está escrito: “Viva a República Popular da China”,
enquanto à direita está escrito: “Viva a Grande Unidade dos Povos do Mundo”.

Desde o dia em que me tornei Bahá’í, os ensinamentos da Fé revelaram-me que somos seres espirituais que vivem temporariamente num mundo prático; não somos apenas seres materiais. Aprendi que os princípios espirituais podem impulsionar-nos a escolher a unidade e o sacrifício pessoal; por outro lado, as ambições materiais podem incitar acções egoístas prejudiciais à unidade da nossa família, local de trabalho e entre países. Através da leitura diária das Escrituras Bahá’ís, das orações e da meditação, os Bahá’ís aprendem a viver de acordo com os Ensinamentos de Bahá’u’lláh, que transformam os nossos pensamentos e acções para que se tornem velas brilhantes — e ajudem a construir um mundo melhor neste processo.

Então, como respondi ao meu novo amigo? Disse-lhe que a Fé Bahá’í incentiva com entusiasmo o estudo das outras religiões. Como acreditamos que todas as religiões provêm do mesmo Deus, os Bahá’ís amam e respeitam todas as religiões de igual forma. Expliquei que os Bahá’ís não pertencem outras religiões porque acreditamos que esta mensagem mais recente de Deus abrange todas elas.

E quanto ao comunismo? Bem, eu disse ao meu amigo que os Bahá’ís acreditam em Deus e esforçam-se por viver uma vida espiritual. Muitos Bahá’ís vivem em países comunistas com sistemas políticos de partido único – e os Bahá’ís são leais aos seus governos, seguindo diligentemente as exigências legais dos seus países. Se a lei do país exige que pertençam a um partido, os Bahá’ís cumprem – mas se tiverem escolha, os Bahá’ís abstêm-se de se envolver na política partidária. Mostrei ao meu amigo esta passagem do Guardião da Fé Bahá’í, que descreve o princípio Bahá’í da não participação na política:

Alguns dos princípios e ideais que animam as instituições políticas e eclesiásticas, todo o seguidor consciencioso da Fé Bahá’í pode, sem dúvida, subscrever prontamente. Contudo, ele não pode identificar-se com nenhuma dessas instituições, nem pode endossar incondicionalmente os credos, os princípios e os programas em que se baseiam. (The World Order of Baha’u’llah, p. 198)

O meu amigo entendeu. Está a continuar a estudar e a descobrir a beleza dos princípios Bahá'ís.

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Texto original: Baha’is and Communism (www.bahaiteachings.org)

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Ming Tai-Seale abraçou a Fé Bahá’í há muitos anos, quando era estudante de pós-graduação em Saúde Pública. Actualmente, como cientista sénior do Instituto de Investigação da Fundação Médica de Palo Alto (EUA), envolve doentes e médicos em projetos de investigação que visam a melhoria da qualidade dos cuidados.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

Reconhecer o Espírito da Época

Por Kathy Roman.

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Estamos na época festiva; árvores de Natal cheias de belos enfeites, ruas iluminadas com luzes cintilantes e a cidade decorada com cores vibrantes.

Estou imbuída do espírito natalício, em que diferentes religiões celebram esta época especial do ano. Como Bahá’í, acredito que todas as religiões provêm da mesma fonte divina, pelo que não vejo necessidade de escolher apenas uma tradição para vivenciar.

Ser Bahá’í significa simplesmente amar o mundo inteiro; amar a humanidade e procurar servi-la; trabalhar pela paz universal e pela fraternidade universal. (‘Abdu’l-Bahá, citado por J.E. Esselmont em Baha’u’llah and the New Era, p. 83)

Como nasci numa família cristã, ainda me encanto com as maravilhosas tradições dos meus antepassados. O meu filho sai para cantar canções de Natal com os amigos do seu grupo de teatro. Eu toco músicas de Natal e vejo os típicos filmes de Natal. O meu marido corta a árvore de Natal perfeita da nossa propriedade e celebramos o nascimento do menino Jesus com os nossos familiares.

O meu tio, um Bahá’í de origem judaica, ainda mantém vivas as tradições familiares do Hanukkah no seu coração. Os amigos Bahá’ís afro-americanos continuam a celebrar o Kwanzaa e, no Ano Novo, os amigos Bahá’ís persas celebram tradições da sua herança cultural que remontam a centenas de anos.

Os queridos amigos nativos americanos da Fé Bahá’í comemoram o Solstício de Inverno. Desde tempos remotos que, em todo o mundo, as pessoas reconhecem este importante evento astronómico e celebram o sucessivo "regresso" do Sol de diversas formas. As antigas tradições do solstício influenciaram até as festas que hoje celebramos, como o Natal e o Hanukkah. No solstício, um amigo nativo americano reúne um grande grupo de fiéis numa tenda na montanha para orações e meditações.

Há uma beleza rica em todas as celebrações e um motivo para reconhecermos a nossa unidade comum. A questão é que, como Bahá’í, sou livre para celebrar os dias sagrados de todas as religiões, mas não obrigada a fazê-lo, se assim o desejar. Reconheço a sua validade e valorizo os seus contributos. Os ensinamentos Bahá’ís aceitam e reconhecem inequivocamente os fundadores de todas as grandes religiões do mundo:

Quanto à posição do Cristianismo, diga-se sem qualquer hesitação, ou equívoco, que a sua origem divina é reconhecida incondicionalmente, que a Filiação e Divindade de Jesus Cristo são destemidamente declaradas, que a inspiração divina do Evangelho é plenamente reconhecida, que a realidade do mistério da Imaculabilidade da Virgem Maria é confessada, e o primado de Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, é mantido e defendido. 

O Fundador da Fé Cristã é chamado por Bahá'u'lláh como o "Espírito de Deus", é proclamado como Aquele que "apareceu do sopro do Espírito Santo" e é mesmo exaltado como a "Essência do Espírito". A Sua mãe é descrita como "aquele semblante velado e imortal, aquele belíssimo", e a posição do seu Filho é elogiada como "uma posição que foi exaltada acima da imaginação de todos os que habitam a Terra", enquanto Pedro é reconhecido como aquele de quem Deus fez fluir "os mistérios da sabedoria e da eloquência" (Shoghi Effendi, O Dia Prometido Chegou, pp. 109-110).

Assim, independentemente dos feriados que celebramos, o que é que estamos realmente a celebrar nesta altura do ano? Que espírito é comum a todas as crenças e religiões? Todos adoramos o mesmo Deus amoroso e esforçamo-nos por servir os nossos semelhantes. Esta é uma época em que podemos unir-nos para apreciar cada celebração alegre num espírito de amor e união absolutos.

Ó povos e tribos em contenda na terra! Voltai as vossas faces para a unidade e deixai que o esplendor da sua luz brilhe sobre vós. Reuni-vos e, por amor de Deus, decidi-vos a erradicar tudo o que seja causa de contenda entre vós. Depois, o brilho do grande Luminar do mundo envolverá toda a terra e os seus habitantes tronar-se-ão uma única cidade e ocupantes de um único trono. (Bahá'u'lláh, Gleanings, CXI)

Independentemente das nossas tradições de fim de ano, este é um momento maravilhoso para reconhecer os costumes e celebrações dos seus vizinhos e para se unir ao verdadeiro espírito da época, pelo qual todas as religiões anseiam:

Paz na Terra

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Texto original: Recognizing the Spirit of the Season (www.bahaiteachings.org)

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Kathy Roman é educadora reformada, aspirante a escritora, esposa e mãe de dois filhos que vive em Elk Grove, California (EUA), onde serve como responsável de Informação Pública Bahá’í.

sábado, 20 de dezembro de 2025

Ser Optimista em Tempos Difíceis

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Para a maioria das pessoas, parece óbvio que o mundo em que vivemos mergulhou no caos absoluto e, por vezes, parece estar à beira da aniquilação, especialmente nos últimos anos.

Como resultado, somos bombardeados por demasiada negatividade que nos pode distrair de nos focarmos nas coisas positivas das nossas vidas e até mesmo levar-nos a um estado de depressão.

Diariamente, deparamo-nos com notícias trágicas, desde o surto de uma pandemia mortal que ameaça vidas humanas até guerras que resultam na morte de civis e crianças inocentes. No meio de acontecimentos tão horríveis, pode ser difícil acreditar num futuro melhor. Como podemos manter o optimismo quando acontecem tantas coisas terríveis no mundo?

Os ensinamentos Bahá’ís realçam a importância do poder do pensamento. É o nosso pensamento que distingue os seres humanos dos animais e nos torna uma criação suprema. Se não fosse o nosso pensamento, não haveria qualquer diferença entre nós e os animais. Numa palestra em Paris, 'Abdu'l-Bahá disse: "... a realidade do homem é o seu pensamento, não o seu corpo material. ... Embora o homem faça parte da criação animal, ele possui um poder de pensamento superior ao de todos os outros seres criados."

Afinal, os seres humanos são as únicas criaturas agraciadas com a capacidade de pensar de forma abstracta. Somos capazes de melhorar a vida, não só a nossa, mas também a dos outros. Se analisarmos a história humana, verificamos que o poder do pensamento é responsável por inúmeras invenções que trouxeram melhorias à qualidade de vida na Terra, como a electricidade, os computadores e as vacinas de RNA.

No seu livro Respostas a Algumas Perguntas, 'Abdu'l-Bahá explicou que "... a morte é a ausência de vida. Quando o homem deixa de receber vida, morre. A escuridão é a ausência de luz: quando não há luz, há trevas..." Podemos estender este conceito para explicar como a ausência de pensamentos positivos pode resultar em pensamentos negativos, tal como a ausência de luz produz trevas. Se desejamos realmente promover mudanças positivas no mundo, ou em pequena escala nas nossas vidas individuais, precisamos de impedir que os nossos pensamentos negativos assumam o controlo das nossas mentes.

Esta é apenas uma das razões pelas quais é importante não perdermos a esperança quando ouvimos notícias terríveis. Em vez de desesperarmos, precisamos de nos concentrar nas palavras de 'Abdu'l-Bahá:

Exorto-vos a todos a que concentrem todos os pensamentos do vosso coração no amor e na união. Quando surgir um pensamento de guerra, combatam-no com um pensamento de paz ainda mais forte. Um pensamento de ódio deve ser destruído por um pensamento de amor ainda mais poderoso. Os pensamentos de guerra trazem a destruição de toda a harmonia, bem-estar, tranquilidade e contentamento.

Isto não é fácil. Por vezes, a minha mente fica tão sobrecarregada de pensamentos negativos que duvido das minhas próprias capacidades. Pergunto-me como posso promover mudanças positivas numa sociedade repleta de inimizade. Quando me sinto sem esperança, não ignoro os meus pensamentos negativos; em vez disso, escuto-os e anoto-os para purificar a minha mente e, depois, recorro às Escrituras Bahá'ís, que nos asseguram que, por fim:

A luz do amor celestial brilhará e a escuridão sombria do ódio e da inimizade será dissipada tanto quanto possível. A paz universal erguerá o seu estandarte no âmago da criação e a abençoada Árvore da Vida crescerá e florescerá de tal forma que estenderá a sua sombra protetora sobre o Oriente e o Ocidente.

‘Abdu’l-Bahá aconselha-nos repetidamente a manter a esperança e a confiança no futuro:

Confiemos, pois, na generosidade e na dádiva de Deus. Que sejamos revigorados pelo sopro divino, iluminados e exaltados pelas boas novas celestiais... Aquele que conferiu o espírito divino em tempos passados é imensamente capaz e competente em todos os tempos e eras para conceder as mesmas dádivas. Portanto, tenhamos esperança. O Deus que deu ao mundo no passado, fá-lo-á agora e no futuro.

Os nossos pensamentos moldam a nossa realidade e, juntos, moldarão o futuro do mundo e das nossas vidas. Precisamos de estar atentos a eles e cultivar uma mentalidade positiva, em vez de nos concentrarmos nas nossas dificuldades. Por vezes, pode parecer que o mundo entrou num estado terrível, mas precisamos de compreender que temos o poder de trazer não só ordem, mas também harmonia às nossas próprias vidas e às vidas dos outros.

Nos momentos mais sombrios, devemos recordar que a humanidade sobreviveu, entre outros acontecimentos catastróficos, a duas Guerras Mundiais e a uma pandemia mortal. Não há nada que não possamos ultrapassar.

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Texto original: Staying Positive in Difficult Times (www.bahaiteachings.org)

sábado, 13 de dezembro de 2025

Os Benefícios Espirituais de uma Vida Livre de Drogas

Por David Langness.

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Cresci no Arizona, por isso cresci rodeado de drogas. Nas rotas de contrabando vindas do México, as estradas que atravessam o sul e o centro do Arizona transportaram toneladas de canábis, cocaína, heroína e metanfetamina em direcção ao norte. Uma vez, ao caminhar pelo deserto, encontrei um enorme fardo de canábis, embrulhado em plástico e juta, que parecia ter caído de um avião que sobrevoava o local, ou talvez tivesse sido deixado por um contrabandista a caminho de um ponto de encontro.

Deixei-o ali e continuei a caminhada.

Noutra ocasião, durante a pós-graduação, tive um colega de quarto que era traficante de canábis. Quando soube o que ele estava a fazer, pedi-lhe que parasse de traficar ou que se mudasse. Nessa altura, no Arizona, a posse de mais de 56 gramas de canábis numa residência podia resultar numa pena de vinte anos para todos os residentes. O meu colega de quarto mudou-se no dia seguinte, mas não sem antes dois polícias baterem à minha porta de madrugada e perguntarem por ele. Que momento assustador — imaginava-me preso, a protestar a minha inocência atrás das grades durante as próximas duas décadas. Por sorte, os polícias tinham acabado de passar por lá para o multar por estacionamento irregular. Acontece que tinha deixado o carro aberto e parado no meio da rua quando regressou a casa na noite anterior. Conseguimos imaginar o motivo.

De qualquer forma, decidi desde cedo nunca ingerir qualquer substância psicotrópica. Muito antes de sequer ter ouvido falar da Fé Bahá’í — que pede aos seus seguidores que se abstenham de consumir drogas ou álcool, a menos que sejam prescritos por um médico — já tinha decidido que não queria correr riscos com a minha mente. Eu sabia que nunca seria uma estrela de cinema ou um atleta de classe mundial, por isso imaginei que o meu cérebro constituía o meu único bem fiável neste mundo. Depois, tive algumas experiências que confirmaram a minha decisão inicial de me manter longe de todas as drogas.

Ironicamente, comecei a beber álcool por volta dos 14 anos. Sim, o álcool é uma droga. Eu sabia disso? Não. O consumo de álcool do meu pai era algo normal no seu dia a dia, e ele começou a dar-me goles da sua cerveja quando eu tinha cinco anos, por isso eu pensava que as pessoas normais bebiam a toda a hora. Nessa altura, trabalhava num restaurante com um monte de estudantes universitários que compravam e bebiam álcool todas as noites, por isso simplesmente entrei na onda, sem me aperceber dos danos que causavam à minha jovem mente e ao meu corpo. Aliás, depressa descobriria que o álcool é a droga mais abusada e, provavelmente, a mais perigosa do mundo.

Descobri isso quando uma noite conduzi bêbado para casa. Por sorte, não magoei ninguém, nem bati em nenhum carro, mas no dia seguinte percebi que não me lembrava de nada da noite anterior. Um amigo disse-me que eu tinha tido um apagão alcoólico, uma perda permanente de memória provocada por uma overdose. "O que é que esperavas?", perguntou o meu amigo, "sabes que cada bebida mata cerca de 500 células cerebrais, certo?". De repente, percebi que o lento declínio mental que tinha visto em adultos alcoólicos também poderia acontecer comigo. Na noite seguinte, fui à minha primeira reunião dos Alcoólicos Anónimos. Não bebo desde essa reunião, há 47 anos.

Quando tive o meu primeiro contacto com os Bahá’ís, perguntei: "Os Bahá’ís bebem?" O meu amigo Bahá’í entregou-me esta citação de Bahá'u'lláh, o profeta e fundador da Fé:

Acautelai-vos para que não troqueis o Vinho de Deus pelo vosso próprio vinho, pois isso vos entorpecerá a mente e vos desviará o rosto da Face de Deus, o Todo-Glorioso, o Incomparável, o Inacessível. Não vos aproximeis dele, pois foi-vos proibido por ordem de Deus, o Exaltado, o Omnipotente. (de uma epístola de Bahá’u’lláh citada no Kitab-i-Adqas, P.266[EN])

"Nem mesmo vinho?", perguntei. O meu amigo respondeu: "Nada que te possa afastar de Deus."

Depois, um ano mais tarde, com apenas 18 anos, pouco depois de decidir tornar-me Bahá’í, consegui um emprego num grande hospital psiquiátrico estatal. Fui destacado para trabalhar numa ala de esquizofrénicos do sexo masculino, que também incluía homens com danos cerebrais causados por alcoolismo e overdose de drogas. Um dia, internamos um conhecido meu, um amigo da faculdade, que tinha descoberto que uma dose de LSD (a droga alucinógena) era tão boa que ele deve ter tomado dez. O meu amigo — vou chamar-lhe Sebastian — nunca recuperou. Ficou com danos cerebrais permanentes e viveu durante o resto da vida numa instituição para pessoas com lesões cerebrais graves.

Vi então a “agulha e o estrago feito”, como canta Neil Young, e decidi que não iria permitir que este tipo de estrago me acontecesse. Livre de drogas e álcool, e muitas vezes obrigado a ser o “condutor de serviço”, ainda assim testemunhei muitas tragédias relacionadas com drogas entre amigos — pelo menos duas mortes por condução sob o efeito do álcool, um suicídio, detenções e penas de prisão, vidas gravemente arruinadas, overdoses ainda mais devastadoras e inúmeros corações despedaçados. Uma overdose particularmente grave quase matou alguém próximo de mim — descobriu-se que um traficante lhe tinha vendido estricnina, um veneno mortal, afirmando ser outra coisa. Ele nunca mais foi o mesmo.

Depois, à medida que me fui envolvendo cada vez mais com os Bahá’ís, percebi que a minha decisão de me livrar do vício e da dependência também começou a trazer-me alguns benefícios espirituais internos.

Aos poucos, fui aprendendo que a clareza mental me permitia focar no meu espírito, compreender a minha própria alma e captar melhor a verdadeira realidade das coisas. Muitas vezes, desejava uma breve pausa no meu lado racional e lógico, mas, em vez de recorrer temporariamente às drogas ou ao álcool, aprendi gradualmente a procurá-la como um estado mais permanente na oração, na meditação e na contemplação. Sendo introvertido por natureza, descobri que a abstinência me obrigava a esforçar-me por ser sociável e comunicativo, em vez de estimular artificialmente essa sociabilidade com o "lubrificante social" do álcool. Cedo percebi quanto tempo, energia e dinheiro os meus amigos e conhecidos gastavam na procura das suas drogas preferidas; e quanto eu não gastava. Pesquisei os efeitos do consumo de drogas na saúde e aprendi como os abstémios vivem vidas mais longas e saudáveis. Mais importante ainda, cheguei à conclusão de que uma vida sem drogas me permitia viver uma existência muito mais enriquecedora espiritualmente, abrindo a minha percepção, livre de amarras e límpida, à beleza natural do mundo e das pessoas que me rodeavam.

(...)

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Texto original: The Spiritual Benefits of a Drug-Free Life (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

domingo, 7 de dezembro de 2025

Quem foram as Pessoas Mais Influentes na História?

Por David Langness.

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Pense um pouco nestas questões: quem foram as pessoas mais influentes na história? Quem teve maior influência sobre toda a humanidade?

Os historiadores fizeram muitas listas classificando as pessoas mais influentes de sempre, mas há alguns anos a revista Time colocou esta questão, fez uma análise baseada em dados e até a submeteu a algum rigor científico:

Quando nos propusemos classificar a importância das figuras históricas, decidimos não abordar o projecto da mesma forma que os historiadores, através de uma avaliação baseada em princípios das suas realizações individuais. Em vez disso, avaliamos cada pessoa agregando milhões de traços de opiniões numa análise computorizada centrada em dados. Classificamos as figuras históricas da mesma forma que o Google classifica as páginas web, integrando um conjunto diversificado de métricas sobre a sua reputação num único valor consensual. (Who’s Biggest? The 100 Most Significant Figures in History, por Steven Skiena e Charles B. Ward, Time Magazine, 10 de Dezembro de 2013)

De longe, a maior percentagem de indivíduos na lista da Time das 100 pessoas mais significativas da história — um quarto deles — eram grandes figuras religiosas ou filósofos, os influentes profetas e mensageiros cujos conceitos, ideias e acções influenciaram milhões e milhões de pessoas ao longo de muitos séculos. Eis os cinco primeiros classificados pela Time:

  • Jesus
  • Napoleão
  • Muhammad
  • William Shakespeare
  • Abraham Lincoln

É fácil compreender porque é que Cristo e Maomé ocupam posições tão elevadas nesta lista: porque deram origem a religiões globais com milhares de milhões de adeptos e porque é que os seus ensinamentos tiveram um impacto tão profundo nos seus seguidores, em múltiplas civilizações e na própria história da humanidade ao longo dos séculos. A posição de Napoleão em segundo lugar reflecte, sem dúvida, o facto de ele ter mudado a face da Europa durante a sua era, mas, afinal, tanto Cristo como Maomé mudaram a face do mundo inteiro — durante milhares de anos.

A lista da Time, como muitas listas semelhantes, tem reconhecidamente algum pendor ocidental — várias pessoas nela incluídas são presidentes americanos, por exemplo, e figuras históricas seminais como Buda e Moisés ocupam posições muito aquém do esperado —, mas tem em conta o enorme impacto dos fundadores das religiões do mundo. Podemos contar pelos dedos das mãos os profetas e mensageiros mais conhecidos: Krishna, Abraão, Moisés, Buda, Zoroastro, Cristo, Muhammad e agora Bahá’u’lláh, todos fundadores de religiões globais que inspiraram milhões de seguidores e, de facto, mudaram o pensamento da humanidade e, consequentemente, o progresso.

Assim, aqui fica uma ideia: e se modificássemos um pouco a Teoria do Grande Homem da história, considerando esta perspectiva espiritual, e lhe chamássemos a teoria dos Profetas de Deus? E se começássemos a ver estes profetas e mensageiros como os verdadeiros fundadores não só da religião, mas da própria civilização?

A leitura da história leva-nos à conclusão de que todos os homens verdadeiramente grandes, os benfeitores da raça humana, aqueles que levaram os homens a amar o certo e a odiar o errado e que causaram progressos reais, todos estes foram inspirados pela força do Espírito Santo.

Nem todos os Profetas de Deus se formaram nas escolas de filosofia erudita; na verdade, eram frequentemente homens de origem humilde, aparentemente ignorantes, homens desconhecidos e sem importância aos olhos do mundo; por vezes, nem sequer tinham conhecimentos de leitura e de escrita.

O que elevou estes grandes seres acima dos homens, e pelo qual puderam tornar-se Mestres da verdade, foi o poder do Espírito Santo. A sua influência sobre a humanidade, em virtude desta poderosa inspiração, foi grande e profunda.

A influência dos filósofos mais sábios, sem este Espírito Divino, tem sido relativamente insignificante, por mais extenso que seja o seu conhecimento e profunda a sua erudição.

Os intelectos fora do comum, por exemplo, de Platão, Aristóteles, Plínio e Sócrates, não influenciaram tanto os homens ao ponto de estes se mostrarem desejosos de sacrificar as suas vidas pelos seus ensinamentos; por outro lado, alguns destes homens simples comoveram de tal forma a humanidade que milhares de homens se tornaram mártires dispostos a defender as suas palavras; pois estas palavras foram inspiradas pelo Espírito Divino de Deus! (‘Abdu’l-Bahá, Paris Talks, pp. 164-165)

O filósofo Hegel concordou quando disse: “Estes são os grandes homens históricos — cujos objetivos particulares envolvem aquelas grandes questões que são a vontade do Espírito do Mundo.

É claro que apenas mencionei o mais conhecido dos grandes fundadores da Fé. Cada cultura e civilização teve o seu próprio mensageiro divino, herói cultural ou profeta, o líder espiritual que conduziu as pessoas em direcção à paz, à unidade e ao amor ao próximo. Cada povo e cultura indígena tem pelo menos um destes mensageiros espirituais. Poderá ter ouvido falar de alguns deles — o mensageiro maia Quetzlcoatl, por exemplo, ou Deganawida, o Grande Pacificador, o venerado profeta dos Haudenosaunee, da Confederação Iroquesa —, mas os nomes de muitos outros perderam-se com o passar do tempo:

Repetidamente vos enviei os meus servos, os profetas, que insistiram convosco para mudarem de procedimento e fazerem o que é recto. Preveniram-vos para que não prestassem culto nem servissem a outros deuses… (Jeremias 35:15)

E a todos os povos enviámos um apóstolo. (Alcorão 16:38)

Deus tem levantado profetas e revelado livros tão numerosos como as criaturas do mundo, e continuará a fazê-lo por toda a eternidade. (The Bab, Selections from the Writings of the Bab, p. 125)

Sabei que a ausência de qualquer referência a eles [Profetas anteriores a Adão] não é prova de que, de facto, não tenham existido. O facto de actualmente não existirem registos disponíveis sobre eles deve ser atribuído à sua extrema distância, bem como às imensas mudanças que a Terra sofreu desde então. (Bahá’u’lláh, Gleanings from the Writings of Bahá’u’lláh, LXXXVII)

Quando observar este padrão histórico ao analisar todo o âmbito da história humana, e avaliar a influência destes imponentes líderes espirituais, começará a reconhecer o seu poderoso impacto.

Mas… e se levássemos esta teoria da história dos Profetas de Deus um pouco mais longe — como fazem os ensinamentos Bahá’ís — e começássemos a considerar cada um destes mensageiros divinos como um só?

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Texto original: Who Were History’s Most Influential People? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site BahaiTeachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

sábado, 29 de novembro de 2025

A Ilusão da Busca pela Verdadeira Felicidade

Por Natalie Peach.

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Em média, a actual população mundial vive com mais conforto material, menos doenças, maior igualdade e muito mais oportunidades do que as pessoas que viveram em qualquer outra época da história. Apesar disso, a Organização Mundial de Saúde estima que, em 2030, a depressão será a doença mais comum e debilitante do mundo – tanto nos países ricos como nos países pobres.

A julgar pelas vendas de grandes quantidades de livros de autoajuda sobre como alcançar a felicidade na vida, diríamos que esta questão parece ser bastante importante para muitas pessoas. Parece que muitos reconhecem que a verdadeira felicidade ainda está longe, apesar de terem conforto financeiro, um bom emprego e uma vida social activa.

Não precisamos de nos esforçar muito para perceber a enorme quantidade de mensagens com que somos bombardeados diariamente sobre o que precisamos para viver felizes. O mundo da publicidade faz-nos acreditar que a felicidade está à distância de uma compra – roupa da moda, carros velozes, boa aparência, estatuto social. Isto faz parte de um modo de viver numa sociedade, guiado por objectivos e resultados, na qual a felicidade é algo que pode ser procurado e adquirido – se não através de bens materiais, então de inúmeras outras formas.

Quinze minutos no Facebook podem levar-nos a acreditar que as pessoas mais felizes são aquelas que têm inúmeros amigos, que vivem grandes aventuras no estrangeiro e que têm empregos incríveis. Focarmo-nos nas coisas que os outros têm e que nós não temos pode facilmente levar-nos a acreditar que a nossa felicidade depende da nossa vida ser exatamente como a idealizámos.

É interessante observar o que as Escrituras Bahá’ís têm a dizer sobre o assunto. ‘Abdu’l-Bahá fala sobre dois tipos de felicidade:

A felicidade tem duas formas: física e espiritual. A felicidade física é limitada; a sua duração máxima é de um dia, um mês, um ano. Ela não tem efeito duradouro. A felicidade espiritual é eterna e insondável. Esta felicidade surge na alma com o amor de Deus e permite à pessoa alcançar as virtudes e as perfeições do mundo da humanidade. Por isso, esforçai-vos ao máximo para iluminar a lâmpada do vosso coração com a luz do amor.

Esta citação vai directa ao assunto, diagnosticando a falha fundamental na nossa compreensão da felicidade que deixa tantas pessoas frustradas e perdidas: a verdadeira felicidade é uma atitude que cultivamos, e não algo que possuímos. Trata-se de um estado de ser, e não de ter.

Para compreendermos o que nos traz verdadeira felicidade, precisamos de compreender a nossa verdadeira natureza enquanto seres humanos. O facto de tantas pessoas terem dificuldade em descobrir o que exatamente as faz felizes significa que ainda não compreendemos quem realmente somos. Como podemos fazer isso? O que podemos fazer para aprofundar a nossa compreensão da nossa própria natureza?

1º Passo: Serviço aos Outros

Uma das citações mais fascinantes que li em resposta a isto é de Shoghi Effendi, que diz que a chave para nos conhecermos é, curiosamente, deixar de nos concentrarmos em nós próprios!

Quanto mais nos procuramos a nós próprios, menos provável é que nos encontremos; e quanto mais procurarmos a Deus e servirmos o nosso próximo, mais profundamente nos conheceremos e mais seguros de nós mesmos estaremos. Esta é uma das grandes leis espirituais da vida. (de uma carta escrita em nome do Guardião a um crente individual, 08 de Fevereiro de 1954)

Esta grande lei espiritual de que fala o Guardião – conhecermo-nos a nós mesmos através da busca de Deus e do serviço ao próximo – é algo que a nossa sociedade ainda não compreendeu plenamente. Parece contraintuitivo que, para nos conhecermos melhor, devamos desviar a nossa atenção de nós próprios e dirigi-la para os outros.

Mas imagine como seria a nossa sociedade se a maioria das pessoas começasse a adoptar esta abordagem da vida. Em vez de nos questionarmos constantemente sobre o que mais precisamos nas nossas vidas para aumentar a nossa felicidade e nos sentirmos sobrecarregados pela quantidade de coisas que ainda não temos, as nossas mentes seriam direcionadas para considerar o que já possuímos – as nossas capacidades, os nossos recursos, o nosso tempo – que podemos utilizar para contribuir para a felicidade dos outros.

E imagine como seria a nossa sociedade se a maioria das pessoas começasse a adoptar esta abordagem da vida. Em vez de nos questionarmos constantemente sobre o que precisamos nas nossas vidas para aumentar a nossa felicidade e nos sentirmos sobrecarregados pela quantidade de coisas que ainda não temos, as nossas mentes seriam direccionadas para considerar o que já possuímos – as nossas capacidades, os nossos recursos, o nosso tempo – que podemos utilizar para contribuir para a felicidade dos outros.

É através dos nossos esforços colectivos para servir os outros que nos familiarizamos mais profundamente com os dons e talentos, que possuímos e recebemos inúmeras oportunidades para desenvolver as nossas capacidades e o nosso carácter!

2º Passo: Foco na Aquisição de Virtudes

Como nos diz ‘Abdu’l-Bahá na citação anterior, a verdadeira felicidade anda de mãos dadas com a conquista das “virtudes e perfeições do mundo da humanidade”. Este é mais um princípio que pode não vir à mente da maioria das pessoas quando pensam em como aumentar a sua felicidade.

As mais recentes descobertas da psicologia mostram que as pessoas mais felizes são aquelas que identificaram e desenvolveram as suas próprias forças e virtudes, utilizando-as para fins que transcendem os seus objectivos pessoais. Ao esforçarmo-nos por cultivar as nossas virtudes, fortalecemos os nossos recursos espirituais e psicológicos, tornando-nos mais bem preparados para enfrentar os desafios e as dificuldades da vida sem sermos profundamente afectados por elas.

A chave para a felicidade – a verdadeira felicidade – parece ser um esforço constante: esforço no nosso caminho de serviço, esforço no desenvolvimento do nosso carácter e esforço em desprendermo-nos do ego e reconhecermos a nossa verdadeira natureza espiritual.

Ao reconhecermos que a felicidade física e a felicidade espiritual são dois estados de existência distintos, e ao compreendermos que é somente a felicidade espiritual – e não a física – que perdura e é, em última análise, aquilo que devemos procurar, somos capazes de realinhar os nossos esforços e energias.

Procurar a felicidade como único objectivo das nossas vidas só pode ser uma receita para a frustração e a decepção – encontraremos sempre, em algum momento, alguma coisa que falta nas nossas vidas. Ao procurarmos a felicidade espiritual e concentrarmos os nossos esforços em servir os outros em crescer espiritualmente, os nossos olhos abrir-se-ão para as inúmeras bênçãos das nossas vidas.

O que pensa sobre encontrar a “verdadeira felicidade”? Partilhe as suas ideias nos comentários.

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Texto original: The Elusive Quest for True Happiness (www.bahaiblog.net)

sábado, 22 de novembro de 2025

Quando ‘Abdu’l-Bahá abandonou este mundo

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No final deste mês de Novembro, os Bahá’ís assinalam o aniversário do falecimento de 'Abdu’l-Bahá, que nos deixou em 1921, deixando um legado de grande serviço e devoção aos ideais Bahá’ís de paz, amor e unidade.

Como era esse legado amoroso?

‘Abdu’l-Bahá viveu uma vida dedicada a amar e a servir o próximo. Numa conversa informal com um grupo de estudantes universitários, registada na revista Bahá’í Star of the West, definiu como seria o legado amoroso de qualquer pessoa — inadvertidamente, descrevendo o Seu próprio:

O homem deve viver de tal modo que se torne amado aos olhos de Deus, amado na opinião dos justos e amado e louvado pelo povo. Quando ele alcança esta condição, a festa da felicidade eterna desfralda-se perante ele. O seu coração está sereno e sóbrio porque ele vê-se aceite no limiar do Altíssimo, o Único. A sua alma está na felicidade e bem-aventurança supremas, mesmo que esteja cercada por montanhas de provações e dificuldades. Ele será semelhante a um mar em cuja superfície se podem ver enormes ondas brancas, mas nas suas profundezas é calmo, sereno e imperturbável. Se ele confia a sua felicidade a objectos mundanos e a condições flutuantes, está condenado à desilusão. Se ele ganhar uma fortuna e nela ancorar a sua felicidade, poderá hipnotizar-se num estado de suposta alegria durante alguns dias, e depois essa mesma fortuna tornar-se-á uma pedra de moinho à volta do seu pescoço, o motivo da sua preocupação e melancolia.

Mas se ele viver de acordo com a vontade do Senhor, ele será favorecido na corte do Omnipotente. Será atraído para junto do trono da Majestade. Será respeitado por toda a humanidade, amado e honrado pelos fiéis. Esta fortuna concede a felicidade eterna. A árvore desta fortuna está sempre verdejante. O vento outonal não lhe queima as folhas, nem a geada do inverno lhe rouba a frescura perene. Esta é uma felicidade que não é seguida de qualquer miséria, mas é sempre uma fonte de gratidão e bem-aventurança. O maior e incomparável dom de Deus ao mundo da humanidade é a felicidade nascida do amor...

Aos 77 anos, a 28 de novembro de 1921, o líder da comunidade Bahá’í, de Seu nome Abbas Effendi e carinhosamente tratado por “O Mestre” – filho de Bahá'u'lláh, o profeta e fundador da Fé Bahá'í e o Centro da Sua Aliança; muito amado e venerado em todo o mundo pelo Seu serviço à humanidade e pela Sua defesa da paz e da unidade; condecorado cavaleiro pelo Império Britânico devido ao Seu trabalho na alimentação dos pobres e na prevenção da fome na Palestina durante a Primeira Guerra Mundial – passou para o outro mundo.

‘Abdu’l-Bahá esteve prisioneiro e exilado durante a maior parte da Sua vida, mas a Sua prisão nunca comprometeu a Sua alegria, o Seu amor ou o Seu serviço à humanidade.

O Seu falecimento libertou uma torrente de profunda angústia e pesar, não só para os Bahá’ís de todo o mundo, mas para todos os que O conheciam. Pessoas de todas as religiões e sem religião lamentaram-se profundamente. O funeral de ‘Abdu’l-Bahá uniu a dividida Terra Santa, atraindo admiradores de todas as raças, idades, origens, classes e estilos de vida. Um profundo e intenso sentimento de perda e pesar uniu todos os presentes, no funeral. Na Terra Santa, o impacto único de ‘Abdu’l-Bahá resultou num funeral completamente sem precedentes.

‘Abdu’l-Bahá foi homenageado e sepultado na terça-feira, 29 de novembro de 1921, na encosta do Monte Carmelo, em Haifa, na Palestina. Milhares e milhares de pessoas subiram a encosta íngreme da montanha. "Uma grande multidão", escreveu o Alto Comissário britânico para a Palestina, "reuniu-se, lamentando a Sua morte, mas também regozijando-se pela Sua vida".

O governador de Jerusalém disse: “Nunca conheci uma expressão mais unida de pesar e respeito do que aquela que foi suscitada pela absoluta simplicidade da cerimónia”.

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Observadores dos media estimaram que compareceram mais de dez mil pessoas: árabes, turcos, persas, curdos, arménios, europeus, americanos, judeus, católicos, cristãos ortodoxos, anglicanos, drusos, muçulmanos e bahá’ís, autoridades governamentais e clérigos, os mais ricos e os mais pobres, todos ali para mostrar o seu permanente respeito pelo homem a que um jornal chamou "A Personificação do Humanitarismo".

Em luto, gemidos e lamentações, a enorme multidão sentiu colectivamente uma sensação tão profunda de perda que muitos dos presentes lutaram contra as suas emoções. Os sons dos soluços e do choro enchiam o ar. Os enlutados choravam porque tinham perdido alguém tão único e tão humilde, tão sábio, altruísta e dedicado ao serviço do próximo, que temiam ter perdido algo insubstituível, algo tremendamente precioso, não apenas um homem, mas uma alma verdadeiramente heroica e transcendente.

A sua tristeza era compreensível. Muitos naquela gigantesca multidão deviam literalmente a sua vida a ‘Abdu’l-Bahá, quer pelas generosas doações que fizera aos pobres durante décadas, quer pelos cereais que armazenara para alimentar o povo faminto da Palestina durante a Primeira Guerra Mundial, quer pela Sua longa história de cuidados aos doentes, quer pelos gentis conselhos espirituais que dera a todos.

Se o velho ditado que diz que se pode julgar um homem pelo seu funeral for verdadeiro, então o funeral de ‘Abdu’l-Bahá produziu uma das mais espontâneas, profundas e públicas demonstrações de afecto, calor e ternura que a Terra Santa já viu — e provou o ensinamento de ‘Abdu’l-Bahá de que o amor dura para sempre.

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Texto Original: When Abdu’l-Baha Left This World (www.bahaiteachings.org)