Quando fui ao frigorifico buscar a manteiga para a torrada
matinal, ouvi uma voz que me gritou lá de dentro:
“Fecha isso que entra frio!”
Pentax K7, Tamron 18-200
By me
Quando fui ao frigorifico buscar a manteiga para a torrada
matinal, ouvi uma voz que me gritou lá de dentro:
“Fecha isso que entra frio!”
Pentax K7, Tamron 18-200
By me
Talvez porque estava sol! Talvez por ser feriado! Talvez por
faltarem ainda uma mão cheia de dias para o final do mês! Talvez…!
O autocarro levava apenas meia dúzia de gatos-pingados. Uma
senhora idosa, gorda e de ar modesto, num dos bancos da frente; eu mesmo, de pé
e com o saco nas costas e o tripé ao peito, no patamar junto à porta; um casal
de meia-idade, num banco logo a seguir; lá para o fundo, em bancos separados,
dois homens de idades indefinidas. E nada nos unia naquela viagem, não fora o
partilharmos o autocarro e, por ser o dia que era e a hora que era, parecermos
uma multidão.
Mas, metido que estava nos meus próprios pensamentos e
observando que ia a avenida deserta como nunca, não teria dado por nada, ou
quase.
O que me fez despertar para o que acontecia ali dentro foi
uma voz, vinda da porta da frente. Um rapaz, de vinte e poucos, nem bem nem mal
vestido, exclamava para o motorista: “Oh chefe! Não me faça isso! Logo hoje!”
Olhei, como os demais devem ter olhado também. A nota de
vinte euros que tinha na mão contava a história sem falar. Ele queria pagar o
bilhete, dois euros e vinte cêntimos, mas o motorista/cobrador não tinha troco.
Deve ter-lhe proposto entregar-lhe um vale da quantia a devolver, para ser
recebida numa das estações centrais da Carris. Lá na outra ponta da cidade e
não naquele dia, que se tratava de um feriado.
Acredito que o rapaz não tivesse ali mais dinheiro que
aquele e ficar sem nenhum, naquele dia, seria catastrófico. Depois de trocar
mais uma palavras, em voz baixa, com quem lhe devia vender o bilhete, veio de
passageiro em passageiro, perguntando se, por mero acaso, não teríamos troco de
vinte euros. E a nossa resposta, cada um à vez, foi negativa. Por mim, tinha
uns cinco ou seis euros em moedas e a nota mais pequena era de dez. Não
chegava!
Regressou lá à frente, sempre com a nota na mão, suponho que
para tentar convencer o funcionário da sua vontade de pagar mas também da sua
impossibilidade de encontrar trocos para tal.
Entre mim e ele, a velhota sentada chamou-o. Tinha decidido
fazer aquilo que eu mesmo estava a hesitar em fazer. Abrindo e rebuscando no
seu porta-moedas, foi contando moedas até perfazer os malfadados dois euros e
vinte do bilhete. E entregou-lhos, dizendo: “Tome! Vá lá pagar!”
“Mas…” titubeou ele, “Mas…!” “Vá lá”, interrompeu ela, “Vá
lá antes que ele lhe passe a multa!”
E ele foi. Pagou o bilhete e deixou-se ficar por ali, junto
à porta da frente.
Duas paragens depois a velhota saiu, transportando com
dificuldade o seu próprio peso e o de um saco, volumoso também, que segurava.
Não trocaram mais palavra e, creio, não mais se encontrarão.
Dois euros e vinte cêntimos. O preço da satisfação de ambos.
O conceito de barato e de caro dependerá das posses de cada um deles. Que não
me pareceram abastados, bem pelo contrário.
Mas…. Qual o preço de um sorriso? Talvez porque estava sol!
Talvez por ser feriado! Talvez por faltarem ainda uma mão cheia de dias para o
final do mês! Talvez…!
Pentax K1
mkII, SMC Pentax-M macro 50 1:4
By me
Do rol dos pecados mortais, sou culpado de todos.
Uns mais frequentemente, outros notórios pela sua raridade,
mas de todos sou culpado.
Mas um há que, e me desculpem pela franqueza, muito gozo me
dá: a gula!
Quando chega a esta época não resisto e atiro-me aos doces.
No entanto, e apesar disso, sou selecto: só mesmo os muito
tradicionais, aqueles que vêem de antanho, de tão longe que já a minha avó os
chamava de muito antigos.
Mas, talvez por isso mesmo, pela sua idade e consequente
simplicidade, são os melhores: broas de milho e figos secos com amêndoas.
As primeiras pecam por serem difíceis de encontrar. Talvez
que por serem feitas de produtos considerados “pobres” (farinha de milho, mel e
ervas aromáticas).
Os segundos são também menos nobres, já que os preferem com
nozes. Mas por mim são mesmo assim, com amêndoas, se possível, torrados e no
mesmo forno em que são feitas as broas.
Se puder, também tenho por esta época fatias paridas. Mas, e
desculpar-me-ão, comi-as antes de as poder fotografar.
Eu disse que este era um dos meus pecados preferidos!
Pentax K7, Tamron 18-200
By me
O episódio leva já uns bons trinta anos.
Pediram-me que fizesse parte do júri de seleção de
operadores de câmara de vídeo. Profissionais já feitos. E eu deveria elaborar
parte das provas teóricas e parte das provas práticas.
Para estas últimas concebi alguns exercícios a serem
executados em estúdio, com graus de complexidade variada. E com um adicional:
pese embora nenhum dos candidatos soubesse, cada um dos exercícios seria
executado três vezes e o que seria avaliado seria a ou as correções que cada um
fizesse a cada repetição. O que daria para perceber da noção que cada candidato
tinha do que havia feito e do que teria que corrigir.
O último exercício implicava bom controlo de velocidade de
panorâmica (movimento horizontal) e ajuste preciso de foco. Não era coisa fácil
mas alguma dificuldade haveria que existir para se poder diferenciar entre
candidatos.
Um deles, depois da primeira tentativa, que correu mal, e ao
ser “convidado” a fazer de novo, começou a testar a funcionalidade de todos os
botões que a câmara tinha. Estranhado tal procedimento, perguntei-lhe sobre o
que procurava. A resposta não poderia ser mais explícita sobre o seu grau
conhecimento do ofício: “Estou à procura do auto-focus, que isto é difícil.”
Dele não recordo nem nome nem rosto. Apenas que era um pouco
mais baixo que eu e que era homem.
Recordei este episódio há uns dias.
Passei a minha câmara fotográfica para as mãos de fotógrafo
que conheço e com larga experiência na matéria.
Depois de elogiar o quão bem aquele tamanho e peso fica nas
mãos, quis fazer um “boneco”. Vantagem do digital, que estes testes são de
borla. Mas estranhou a fotografia ter ficado desfocada e questionou-me. Lá lhe
tive que explicar que aquela objectiva, com uns bons 35 anos, não permitia o
foco automático e que o anel de focagem era o da frente. E acrescentei que o
ajuste dióptrico do visor estava calibrado para o meu olho, mas que o poderia
ajustar para ele, que é coisa fácil naquele modelo (Pentax K1).
“Ahhhhh!” foi a resposta, e fez mais uns dois disparos, sem
corrigir a ocular.
Já em casa, no computador, confirmei o que suspeitava: as
fotografias não estavam tão nítidas quanto se desejava.
Nos tempos que correm confia-se em demasia nos automatismos,
tendo-se perdido o hábito de, usando-os, pensar e aquilatar mesmo antes de os
usar.
Em termos fotográficos, os automatismos de focagem ou
exposição são úteis e uso-os. Mas só de quando em vez e muito frequentemente
com ajustes meus em cima do que o “japonês inteligente” sugere ou mesmo decide.
As decisões, técnicas ou estéticas, têm que ser minhas! Mesmo correndo o risco
de fazer asneira.
Pentax K1
mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5
By me
Há muito, muito tempo, numa terra muito, muito longe, o sr.
Pilim e a srª Narta tiveram um filho. Carinhosamente deram-lhe o nome de
Dinheirinho.
Sabendo do acontecimento e exultantes com a boa nova, de
imediato três magos de reinos distantes se dispuseram a venerar e ofertar.
Vinham eles do reino do Fisco, do reino da Banca e do reino do Comércio.
Ajoelhando-se à chegada, logo lhe entregaram o que traziam:
um cartão de crédito, um cartão de cliente e um cartão de contribuinte. E
disseram-lhe:
“Aqui tendes as nossas oferendas. Acreditamos que com elas
sereis maior e mais poderoso. Usai-as como entenderdes.”
E assim aconteceu: o recém-nascido cresceu, a sua palavra e
influência espalhou-se pelos quatro cantos do mundo e tornou-se omnipotente,
omnipresente e omnisciente.
Os magos, por sua vez, deram graças pelo seu desenvolvimento
e trataram de erguer, em tudo quanto é lugar, templos de veneração: Repartições
de Finanças, Instituições de Crédito e Centros Comerciais.
E hoje, todos acorrem aos locais de culto em datas como
esta, fazendo as suas preces e doando as suas oferendas, num ritual sempre
acarinhado pelos sacerdotes.
Contada esta fábula, tenho que ir ali ao balcão agradecer
com uma oferenda este bolo e bica e seguir depois para fazer uma promessa por
uns cigarritos que gastarei. Alguém aí tem lume?
By me
Lá que o Pai Natal consiga voar num trenó não me surpreende.
Tanto as tecnologias de ponta como os segredos ancestrais conseguem coisas
incríveis.
Que esse mesmo trenó seja puxado por renas levanta dois
problemas, cada um de seu nível: se por um lado sempre se poupa nos
combustíveis fosseis, por outro dá para perguntar onde pára a sociedade de
protecção dos animais perante esta exploração.
Que o bom do velhote, com este meio de transporte, consiga
numa noite só cobrir o mundo inteiro, chegando à maioria das casas à meia-noite
locais, é algo que para ser explicado implica entendermos que o tempo não é
algo de linear como em regra entendemos.
O que me deixa mesmo intrigado é como ele consegue, mais a
sua barriga e saco de prendas, passar pelas ventarolas das chaminés e
exaustores das cozinhas modernas.
Pentax K7, SMC Pentax M 75-150
By me
A tradição familiar dizia que o Menino Jesus descia pela
chaminé para pôr prendas no sapatinho.
Assim, depois do jantar, a cozinha era imaculadamente
arranjada, o fogão forrado com papeis “bonitos” e os sapatos colocados em cima
deles.
Na manhã de Natal os pequenos, depois de toda a família
acordada, eram autorizados a entrar na cozinha onde, para deslumbre total, lá
estavam os presentes. Poucos, que os sapatos eram muitos, mas apetecidos e
apreciados.
O mais velho dos quatro foi, naturalmente, o primeiro a ser
informado da verdadeira história e a ser incluído na cerimónia da colocação das
prendas.Depois do fogão decorado e dos mais pequenos terem recolhido à cama,
foi a sua vez de colocar as suas prendas para toda a família, indo então deitar-se,
que não podia ver as que lhe eram destinadas antes dos outros acordarem.
Acordou ele a meio da noite, com vontade de urinar e
dirigiu-se à casa de banho. Mas logo lhe passou a vontade. Com receio que
furasse o bloqueio de acesso à cozinha, tinham atado uma cadeira com tachos e
panelas ao puxador da porta de seu quarto. Quando a abriu, tudo se espalhou
pelo chão, acordando a casa por inteiro.
Não me recordo ao certo qual ou quais as prendas que recebi
nesse ano. Mas tenho a vaga ideia de ter sido um famoso Renault 16 do “Tour”
que esventrei e em cujo interior coloquei um pesado imã de bicicleta. Com ele,
ganhava todas as provas de todo o terreno que na rua se faziam.
Ainda hoje, quando a família se reúne, ninguém me acredita
que, então, apenas queria ir à casa de banho.
Pentax K7, Tamron 18-200
Deixo-vos uma informação quase completamente inútil: hoje é
o dia mais curto do ano.
Falo daquele dia que intitulamos de “solstício de inverno” e
em que, devido à forma como o nosso planeta se desloca na sua órbita solar, o
Sol nasce mais tarde e põe-se mais cedo. No hemisfério norte, entenda-se, que
no sul é o oposto.
Passada a referência astronómica, tenho para mim que este
dia deveria ser feriado mundial. Para ser mais exacto, os dois solstícios e os
dois equinócios deveriam ser feriados mundiais.
Desde sempre, e isso inclui a época pré histórica, estes
dias foram observados e registados como sendo especiais, mesmo quando as
condições atmosféricas não permitem a observação do nascer e pôr do sol. Como
hoje, por estas bandas.
Não sei que ides fazer hoje, domingo. Mas estejais de folga
ou estejais a trabalhar, guardai um niquinho do vosso tempo, por pouco que
seja, para prestardes homenagem ao universo e no quão efémeros somos perante o
seu continuo evoluir.
Nikon Coolpix P7000
“Vivia sozinho e o meu orgulho impedia-me de ir pedir ajuda
aos pais apesar de, naquela altura, os pagamentos da empresa onde trabalhava
estarem atrasados. Naquele dia não tinha dinheiro nem para tomar um café.
Revirei tudo em casa em busca de uma moedinha que fosse e nada.
Acabei por me meter no carro e ir a casa de uma amiga, que
me poderia emprestar algum, pouco, para os dias que ainda faltavam até vir o
guito.
Mas dei comigo a enganar-me no caminho e a entrar na
via-rápida no sentido oposto. Com a pouca gasolina que tinha, não sabia se
daria para inverter a marcha mais à frente, pelo que decidi continuar e ir a
casa de uma outra amiga, que me haveria de ajudar.
Não estava em casa. Mas estava lá uma amiga dela. Não nos
conhecíamos, mas já ouvíramos falar um do outro. Ajudou-me.
É hoje a minha mulher.”
E se isto não é uma bonita história de necessidade,
coincidências, solidariedade e final feliz, adequada a qualquer época em geral,
incluindo a que atravessamos, não sei o que o será.
Nota adicional - Esta
fotografia é da mão e da aliança de um dos dois protagonistas da história
contada. Não é uma grande fotografia, mas foi o que consegui fazer quando o
encontrei de novo, por entre os afazeres do ofício.
Poderia talvez fazer uma melhor, quiçá usando a minha
própria aliança e melhor trabalhando luz e fundo. Mas não seria factual,
podendo sê-lo.
Mas entre uma fraca fotografia factual e uma boa fotografia
fictícia, prefiro a primeira. Que, mais importante que uma “boa” fotografia,
para um photocronista importa a realidade. Ou passaria a ser um
photorromancista.
By me
A minha memória por vezes prega-me partidas.
Ao ouvir um
noticiário hoje, relacionei duas reportagens e lembrei-me que o ainda actual
presidente da República prometeu, mais que uma vez, erradicar os sem-abrigo da
cidade de Lisboa.
Não sei como o
faria, já que não tem poderes executivos nem no governo nem no município, mas o
certo é que fez a promessa.
E, por mais que
puxe pela memória, não me recordo de nenhuma acção que tenha feito nesse
sentido. Nem de relatos a dar conta do cumprimento dessas promessas. Claro que
este tipo de coisas não se alardeiam nem constam das agendas oficiais. Mas alguma
coisa transpareceria se conseguida, até porque somos ferteis em fugas de
informação.
Mas de nada me
recordo.
Será que a minha
memória está pior do que eu penso?
Pentax K7,
Tamron 18-200
By me