Quando fui ao frigorifico buscar a manteiga para a torrada
matinal, ouvi uma voz que me gritou lá de dentro:
“Fecha isso que entra frio!”
Pentax K7, Tamron 18-200
By me
Quando fui ao frigorifico buscar a manteiga para a torrada
matinal, ouvi uma voz que me gritou lá de dentro:
“Fecha isso que entra frio!”
Pentax K7, Tamron 18-200
By me
Talvez porque estava sol! Talvez por ser feriado! Talvez por
faltarem ainda uma mão cheia de dias para o final do mês! Talvez…!
O autocarro levava apenas meia dúzia de gatos-pingados. Uma
senhora idosa, gorda e de ar modesto, num dos bancos da frente; eu mesmo, de pé
e com o saco nas costas e o tripé ao peito, no patamar junto à porta; um casal
de meia-idade, num banco logo a seguir; lá para o fundo, em bancos separados,
dois homens de idades indefinidas. E nada nos unia naquela viagem, não fora o
partilharmos o autocarro e, por ser o dia que era e a hora que era, parecermos
uma multidão.
Mas, metido que estava nos meus próprios pensamentos e
observando que ia a avenida deserta como nunca, não teria dado por nada, ou
quase.
O que me fez despertar para o que acontecia ali dentro foi
uma voz, vinda da porta da frente. Um rapaz, de vinte e poucos, nem bem nem mal
vestido, exclamava para o motorista: “Oh chefe! Não me faça isso! Logo hoje!”
Olhei, como os demais devem ter olhado também. A nota de
vinte euros que tinha na mão contava a história sem falar. Ele queria pagar o
bilhete, dois euros e vinte cêntimos, mas o motorista/cobrador não tinha troco.
Deve ter-lhe proposto entregar-lhe um vale da quantia a devolver, para ser
recebida numa das estações centrais da Carris. Lá na outra ponta da cidade e
não naquele dia, que se tratava de um feriado.
Acredito que o rapaz não tivesse ali mais dinheiro que
aquele e ficar sem nenhum, naquele dia, seria catastrófico. Depois de trocar
mais uma palavras, em voz baixa, com quem lhe devia vender o bilhete, veio de
passageiro em passageiro, perguntando se, por mero acaso, não teríamos troco de
vinte euros. E a nossa resposta, cada um à vez, foi negativa. Por mim, tinha
uns cinco ou seis euros em moedas e a nota mais pequena era de dez. Não
chegava!
Regressou lá à frente, sempre com a nota na mão, suponho que
para tentar convencer o funcionário da sua vontade de pagar mas também da sua
impossibilidade de encontrar trocos para tal.
Entre mim e ele, a velhota sentada chamou-o. Tinha decidido
fazer aquilo que eu mesmo estava a hesitar em fazer. Abrindo e rebuscando no
seu porta-moedas, foi contando moedas até perfazer os malfadados dois euros e
vinte do bilhete. E entregou-lhos, dizendo: “Tome! Vá lá pagar!”
“Mas…” titubeou ele, “Mas…!” “Vá lá”, interrompeu ela, “Vá
lá antes que ele lhe passe a multa!”
E ele foi. Pagou o bilhete e deixou-se ficar por ali, junto
à porta da frente.
Duas paragens depois a velhota saiu, transportando com
dificuldade o seu próprio peso e o de um saco, volumoso também, que segurava.
Não trocaram mais palavra e, creio, não mais se encontrarão.
Dois euros e vinte cêntimos. O preço da satisfação de ambos.
O conceito de barato e de caro dependerá das posses de cada um deles. Que não
me pareceram abastados, bem pelo contrário.
Mas…. Qual o preço de um sorriso? Talvez porque estava sol!
Talvez por ser feriado! Talvez por faltarem ainda uma mão cheia de dias para o
final do mês! Talvez…!
Pentax K1
mkII, SMC Pentax-M macro 50 1:4
By me
Do rol dos pecados mortais, sou culpado de todos.
Uns mais frequentemente, outros notórios pela sua raridade,
mas de todos sou culpado.
Mas um há que, e me desculpem pela franqueza, muito gozo me
dá: a gula!
Quando chega a esta época não resisto e atiro-me aos doces.
No entanto, e apesar disso, sou selecto: só mesmo os muito
tradicionais, aqueles que vêem de antanho, de tão longe que já a minha avó os
chamava de muito antigos.
Mas, talvez por isso mesmo, pela sua idade e consequente
simplicidade, são os melhores: broas de milho e figos secos com amêndoas.
As primeiras pecam por serem difíceis de encontrar. Talvez
que por serem feitas de produtos considerados “pobres” (farinha de milho, mel e
ervas aromáticas).
Os segundos são também menos nobres, já que os preferem com
nozes. Mas por mim são mesmo assim, com amêndoas, se possível, torrados e no
mesmo forno em que são feitas as broas.
Se puder, também tenho por esta época fatias paridas. Mas, e
desculpar-me-ão, comi-as antes de as poder fotografar.
Eu disse que este era um dos meus pecados preferidos!
Pentax K7, Tamron 18-200
By me
O episódio leva já uns bons trinta anos.
Pediram-me que fizesse parte do júri de seleção de
operadores de câmara de vídeo. Profissionais já feitos. E eu deveria elaborar
parte das provas teóricas e parte das provas práticas.
Para estas últimas concebi alguns exercícios a serem
executados em estúdio, com graus de complexidade variada. E com um adicional:
pese embora nenhum dos candidatos soubesse, cada um dos exercícios seria
executado três vezes e o que seria avaliado seria a ou as correções que cada um
fizesse a cada repetição. O que daria para perceber da noção que cada candidato
tinha do que havia feito e do que teria que corrigir.
O último exercício implicava bom controlo de velocidade de
panorâmica (movimento horizontal) e ajuste preciso de foco. Não era coisa fácil
mas alguma dificuldade haveria que existir para se poder diferenciar entre
candidatos.
Um deles, depois da primeira tentativa, que correu mal, e ao
ser “convidado” a fazer de novo, começou a testar a funcionalidade de todos os
botões que a câmara tinha. Estranhado tal procedimento, perguntei-lhe sobre o
que procurava. A resposta não poderia ser mais explícita sobre o seu grau
conhecimento do ofício: “Estou à procura do auto-focus, que isto é difícil.”
Dele não recordo nem nome nem rosto. Apenas que era um pouco
mais baixo que eu e que era homem.
Recordei este episódio há uns dias.
Passei a minha câmara fotográfica para as mãos de fotógrafo
que conheço e com larga experiência na matéria.
Depois de elogiar o quão bem aquele tamanho e peso fica nas
mãos, quis fazer um “boneco”. Vantagem do digital, que estes testes são de
borla. Mas estranhou a fotografia ter ficado desfocada e questionou-me. Lá lhe
tive que explicar que aquela objectiva, com uns bons 35 anos, não permitia o
foco automático e que o anel de focagem era o da frente. E acrescentei que o
ajuste dióptrico do visor estava calibrado para o meu olho, mas que o poderia
ajustar para ele, que é coisa fácil naquele modelo (Pentax K1).
“Ahhhhh!” foi a resposta, e fez mais uns dois disparos, sem
corrigir a ocular.
Já em casa, no computador, confirmei o que suspeitava: as
fotografias não estavam tão nítidas quanto se desejava.
Nos tempos que correm confia-se em demasia nos automatismos,
tendo-se perdido o hábito de, usando-os, pensar e aquilatar mesmo antes de os
usar.
Em termos fotográficos, os automatismos de focagem ou
exposição são úteis e uso-os. Mas só de quando em vez e muito frequentemente
com ajustes meus em cima do que o “japonês inteligente” sugere ou mesmo decide.
As decisões, técnicas ou estéticas, têm que ser minhas! Mesmo correndo o risco
de fazer asneira.
Pentax K1
mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5
By me
Há muito, muito tempo, numa terra muito, muito longe, o sr.
Pilim e a srª Narta tiveram um filho. Carinhosamente deram-lhe o nome de
Dinheirinho.
Sabendo do acontecimento e exultantes com a boa nova, de
imediato três magos de reinos distantes se dispuseram a venerar e ofertar.
Vinham eles do reino do Fisco, do reino da Banca e do reino do Comércio.
Ajoelhando-se à chegada, logo lhe entregaram o que traziam:
um cartão de crédito, um cartão de cliente e um cartão de contribuinte. E
disseram-lhe:
“Aqui tendes as nossas oferendas. Acreditamos que com elas
sereis maior e mais poderoso. Usai-as como entenderdes.”
E assim aconteceu: o recém-nascido cresceu, a sua palavra e
influência espalhou-se pelos quatro cantos do mundo e tornou-se omnipotente,
omnipresente e omnisciente.
Os magos, por sua vez, deram graças pelo seu desenvolvimento
e trataram de erguer, em tudo quanto é lugar, templos de veneração: Repartições
de Finanças, Instituições de Crédito e Centros Comerciais.
E hoje, todos acorrem aos locais de culto em datas como
esta, fazendo as suas preces e doando as suas oferendas, num ritual sempre
acarinhado pelos sacerdotes.
Contada esta fábula, tenho que ir ali ao balcão agradecer
com uma oferenda este bolo e bica e seguir depois para fazer uma promessa por
uns cigarritos que gastarei. Alguém aí tem lume?
By me
Lá que o Pai Natal consiga voar num trenó não me surpreende.
Tanto as tecnologias de ponta como os segredos ancestrais conseguem coisas
incríveis.
Que esse mesmo trenó seja puxado por renas levanta dois
problemas, cada um de seu nível: se por um lado sempre se poupa nos
combustíveis fosseis, por outro dá para perguntar onde pára a sociedade de
protecção dos animais perante esta exploração.
Que o bom do velhote, com este meio de transporte, consiga
numa noite só cobrir o mundo inteiro, chegando à maioria das casas à meia-noite
locais, é algo que para ser explicado implica entendermos que o tempo não é
algo de linear como em regra entendemos.
O que me deixa mesmo intrigado é como ele consegue, mais a
sua barriga e saco de prendas, passar pelas ventarolas das chaminés e
exaustores das cozinhas modernas.
Pentax K7, SMC Pentax M 75-150
By me
A tradição familiar dizia que o Menino Jesus descia pela
chaminé para pôr prendas no sapatinho.
Assim, depois do jantar, a cozinha era imaculadamente
arranjada, o fogão forrado com papeis “bonitos” e os sapatos colocados em cima
deles.
Na manhã de Natal os pequenos, depois de toda a família
acordada, eram autorizados a entrar na cozinha onde, para deslumbre total, lá
estavam os presentes. Poucos, que os sapatos eram muitos, mas apetecidos e
apreciados.
O mais velho dos quatro foi, naturalmente, o primeiro a ser
informado da verdadeira história e a ser incluído na cerimónia da colocação das
prendas.Depois do fogão decorado e dos mais pequenos terem recolhido à cama,
foi a sua vez de colocar as suas prendas para toda a família, indo então deitar-se,
que não podia ver as que lhe eram destinadas antes dos outros acordarem.
Acordou ele a meio da noite, com vontade de urinar e
dirigiu-se à casa de banho. Mas logo lhe passou a vontade. Com receio que
furasse o bloqueio de acesso à cozinha, tinham atado uma cadeira com tachos e
panelas ao puxador da porta de seu quarto. Quando a abriu, tudo se espalhou
pelo chão, acordando a casa por inteiro.
Não me recordo ao certo qual ou quais as prendas que recebi
nesse ano. Mas tenho a vaga ideia de ter sido um famoso Renault 16 do “Tour”
que esventrei e em cujo interior coloquei um pesado imã de bicicleta. Com ele,
ganhava todas as provas de todo o terreno que na rua se faziam.
Ainda hoje, quando a família se reúne, ninguém me acredita
que, então, apenas queria ir à casa de banho.
Pentax K7, Tamron 18-200
Deixo-vos uma informação quase completamente inútil: hoje é
o dia mais curto do ano.
Falo daquele dia que intitulamos de “solstício de inverno” e
em que, devido à forma como o nosso planeta se desloca na sua órbita solar, o
Sol nasce mais tarde e põe-se mais cedo. No hemisfério norte, entenda-se, que
no sul é o oposto.
Passada a referência astronómica, tenho para mim que este
dia deveria ser feriado mundial. Para ser mais exacto, os dois solstícios e os
dois equinócios deveriam ser feriados mundiais.
Desde sempre, e isso inclui a época pré histórica, estes
dias foram observados e registados como sendo especiais, mesmo quando as
condições atmosféricas não permitem a observação do nascer e pôr do sol. Como
hoje, por estas bandas.
Não sei que ides fazer hoje, domingo. Mas estejais de folga
ou estejais a trabalhar, guardai um niquinho do vosso tempo, por pouco que
seja, para prestardes homenagem ao universo e no quão efémeros somos perante o
seu continuo evoluir.
Nikon Coolpix P7000
“Vivia sozinho e o meu orgulho impedia-me de ir pedir ajuda
aos pais apesar de, naquela altura, os pagamentos da empresa onde trabalhava
estarem atrasados. Naquele dia não tinha dinheiro nem para tomar um café.
Revirei tudo em casa em busca de uma moedinha que fosse e nada.
Acabei por me meter no carro e ir a casa de uma amiga, que
me poderia emprestar algum, pouco, para os dias que ainda faltavam até vir o
guito.
Mas dei comigo a enganar-me no caminho e a entrar na
via-rápida no sentido oposto. Com a pouca gasolina que tinha, não sabia se
daria para inverter a marcha mais à frente, pelo que decidi continuar e ir a
casa de uma outra amiga, que me haveria de ajudar.
Não estava em casa. Mas estava lá uma amiga dela. Não nos
conhecíamos, mas já ouvíramos falar um do outro. Ajudou-me.
É hoje a minha mulher.”
E se isto não é uma bonita história de necessidade,
coincidências, solidariedade e final feliz, adequada a qualquer época em geral,
incluindo a que atravessamos, não sei o que o será.
Nota adicional - Esta
fotografia é da mão e da aliança de um dos dois protagonistas da história
contada. Não é uma grande fotografia, mas foi o que consegui fazer quando o
encontrei de novo, por entre os afazeres do ofício.
Poderia talvez fazer uma melhor, quiçá usando a minha
própria aliança e melhor trabalhando luz e fundo. Mas não seria factual,
podendo sê-lo.
Mas entre uma fraca fotografia factual e uma boa fotografia
fictícia, prefiro a primeira. Que, mais importante que uma “boa” fotografia,
para um photocronista importa a realidade. Ou passaria a ser um
photorromancista.
By me
A minha memória por vezes prega-me partidas.
Ao ouvir um
noticiário hoje, relacionei duas reportagens e lembrei-me que o ainda actual
presidente da República prometeu, mais que uma vez, erradicar os sem-abrigo da
cidade de Lisboa.
Não sei como o
faria, já que não tem poderes executivos nem no governo nem no município, mas o
certo é que fez a promessa.
E, por mais que
puxe pela memória, não me recordo de nenhuma acção que tenha feito nesse
sentido. Nem de relatos a dar conta do cumprimento dessas promessas. Claro que
este tipo de coisas não se alardeiam nem constam das agendas oficiais. Mas alguma
coisa transpareceria se conseguida, até porque somos ferteis em fugas de
informação.
Mas de nada me
recordo.
Será que a minha
memória está pior do que eu penso?
Pentax K7,
Tamron 18-200
By me
Dezembro é época de tradições. Pelo menos nesta zona do globo.
Usemo-la e contemos histórias ou estórias apropriadas.
Neste caso, um texto de um excelente autor, maldito para uns, magnifico para outros.
E, se excluirmos algum exagero aqui ou ali, certamente que reconhecerão o descrito.
Como a família da Lurdinhas passou a consoada do ano passado:
Para estreitar os laços familiares, não há nada que chegue à festa do Natal, lá isso é verdade, mas espero que neste ano as coisas corram melhor do que o ano passado e não seja preciso o meu pai ir mudar de roupa a meio do jantar por ter apanhado em cheio com o galheteiro do azeite nos cornos, atirado pela minha mãe que o topou a apalpar o cu à D. Filomena, uma prima da minha madrinha que veio de Angola e vive numa pensão em Almirante Reis e anda a estudar para manicure.
A minha mãe ficou bera e com razão, não é por ser minha mãe, esteve quase a dar-lhe o fanico e só gritava: «Tirem-me essa puta da frente! Tirem-me essa puta da frente!» Mas quando as pessoas são educadas, as coisas acabam por compor-se e bastou tirarem a D. Filomena de ao pé do meu pai para ficar tudo em sossego. No fim até estiveram as duas a falar de crochés e da telenovela, que nessa altura dava na televisão, e a D. Filomena ofereceu-se para tratar os pés da minha mãe, assim que acabasse um curso de calista que andava a tirar ali para os lados da Fonte Luminosa.
Essa bronca portanto foi o menos; o pior veio a seguir quando a minha avó teve a infeliz ideia de perguntar à prima Otília que presente de Natal é que lhe tinham dado os patrões do escritório onde ela trabalha e a parva descaiu-se a dizer que, do senhor Benjamim, recebeu um jogo de calcinhas e soutien em nylon, e do senhor Canelas, um vibrador-masturbador japonês, muito bonito, todo transistorizado.
Ora, ao ouvir isto, o Fernando, que é o marido da Otília e tinha metido na boca uma grande garfada, engasgou-se, engoliu uma data de espinhas de bacalhau, cuspiu o resto no prato do meu avô e desatou ao bofetão à mulher: «Sua cabra! Sua ordinária!» e a dizer que ia enfiar o vibrador pelo cu do Canelas acima e partir os cornos ao porcalhão do Benjamim.
E a palerma da Otília, em vez de se calar, como era a obrigação dela, cresceu para o marido que até parecia uma leoa: «Tire as patas de cima de mim, seu cabrão! Você é que tem cornos e dos grandes, ouviu?» E ele, todo a tremer: «Eu?! E ainda o dizes, grandessíssima puta?» E a Otília: «Pois digo para vergonha tua, que nem és marido nem nada! Se não fossem os meus patrões não sei o que seria de mim?». E desatou a chorar baba e ranho e então o Fernando agarrou na faca de cortar o bolo-rei e toda a família se pôs a gritar «Ai que ele mata-a! Ai que ele mata-a!», mas o meu pai tirou-lhe a faca e o tio Arnaldo obrigou-o a sentar-se na cadeira, deu-lhe palmadinhas nas costas e disse-lhe: «Não ligues ao que ela diz, pá, que as mulheres são todas umas putas», e ele ao ouvir estas boas palavras, ficou mais sossegado e até alargou um furo ao cinto para continuar a comer.
O pior é que a tia Palmira não gostou da conversa do marido e começou a refilar que não queria confusões, que se as outras eram putas ela era uma mulher séria, que quem não se sente não é filho de boa gente, etc., etc., mas o tio Arnaldo que é um bocado bruto atirou-lhe logo esta a matar: «Escusas de armar em séria, que todos sabem que andaste enrolada com o Gonçalves da farmácia quando ele te tratou do eczema»; e ela, logo: «E tu com a Gracinda da peixaria, que até escamas de pargo trazias para casa nas cuecas!» E o tio Arnaldo, muito fodido: «As escamas de pargo não são aqui chamadas para nada, porra!» E, ao dizer isto, deu tal murro num prato de filhoses que saltou calda para todo o lado e até eu fiquei com o cabelo enchapoçado dela. E o meu pai que ia acudir pela tia Palmira, esteve vai não vai para apanhar outra vez com o galheteiro, pois a minha mãe tinha-o sempre debaixo de olho; enfim, só visto!
O que valeu para que a festa de Natal não ficasse estragada foi a minha madrinha impor-se, visto ser ela a dona da casa, e avisar que não consentia faltas de respeito, que aquilo ali não era nenhuma taberna e que achava uma sacanice estarem a encher o bandulho à custa dela, com a comida cara como estava, e a portarem-se que nem javardos em vez de se mostrarem agradecidos. «Ou comem de bico calado ou vai tudo para o olho da rua!» disse ela e ninguém refilou; durante algum tempo só se ouviu mastigar, até que o senhor Aguinaldo, o sacana do velhote que está amigado com a minha madrinha e que até aí só abria a boca para meter para dentro, resmungou lá do canto que no olho da rua já nós devíamos estar há muito e que se a família dele fosse ordinária como a nossa já a tinha rifado. Um gajo bera, palavra de honra; não são coisas que se digam assim na frente das pessoas e ainda gostava de ver que merda de família é a dele; cheira-me que é para ali uma ciganada cheia de putas, chulos, sovaqueiras e arrebentas.
Mas a minha mãe, que tem muito jeito para compor as coisas quando não está com a bolha, disse que o melhor era a minha madrinha abrir a televisão, que tem programas muito bonitos no Natal, porque as conversas não fazem falta para nada e a gente não estava ali para conversar mas para comer e que assim as crianças sempre estavam mais distraídas. Foderam-me!
Foi assim que tive de gramar duas horas de chachadas como essa porcaria das canções do Natal, das entrevistas do Natal, das tradições do Natal, dos votos de Natal e até dos anúncios do Natal, sem ter feito mal a ninguém. Não é que eu goste de chavascal e sarrafada, mas, mal por mal, ainda preferia ver os parentes todos à porrada e a descobrir o cu uns aos outros do que ver a merda da televisão.
Texto: by José Vilhena
Chateia-me
solenemente que o calendário me imponha estados de espírito.
Que me diga que
nestes dias tens que estar alegre e feliz; ou que me diga que naquela época
tens que alinhar na folia e quase disparate, agindo no faz-de-conta; ou que me diga que naqueles dias tens que
estar calmo, quase triste e comedido.
Chateia-me que
me imponham estados de alma.
Também me
chateia que me digam que, por estes dias, tens que dar tratos de polé à imaginação
para decidires como vais gastar o pouco dinheiro que tens em prendas a
terceiros, próximos ou não tanto. Porque se não percorreres ruas e vielas,
centros comerciais e lojas de bric-a-brac procurando inspiração, quem não receber
uma prenda vai sentir-se menosprezado, quiçá mesmo ofendido.
Também me faz
sair do sério os jantares e reuniões de dezembro, onde todos sorriem para
todos, simulando uma proximidade que não existe, parecendo estarem num concurso
de hipocrisia.
E, no meio disso
tudo, quase ignorarem a razão de ser da festividade. Que para cada vez menos
gente tem significado real.
Este agnóstico
convicto deseja a todos os crentes ou não crentes, não importa em quê, que tenham
uma época de boas festas e que elas se prolonguem no seu espírito original por
mais 52 semanas.
Pentax K1 mkII, SMC Pentax-M macro 100 1:4
By me
Excepção feita
às listas telefónicas e aos formulários e minutas oficiais, quase todo o
trabalho humano pode ter duas ou mais interpretações. Umas mais óbvias, outras
não tanto. Umas definidas à partida por quem ou faz, outras apenas descobertas
por quem vê o resultado final.
Os trabalhos
criativos não são excepção, talvez mesmo o oposto, sendo o expoente máximo da
subjectividade. Quer se trate de pintura, escrita, fotografia, performances
como música, teatro, bailado… Até mesmo a arquitectura tem essa característica,
muito para além da estética e funcionalidades aparentes.
Tenho a
desventura de não ser nada digno de nota nem na escrita nem na fotografia, pelo
que tenho completar uma com a outra e vice-versa. Mas, e sem sombra de dúvida,
que o que de pobre vou fazendo tem sempre mais que uma leitura ou interpretação
possíveis ao dar por findo o processo criativo. E para além daquilo que quem
veja ou leia encontre por si mesmo.
Por vezes há que
contar histórias que não podem ou não devem ser contadas e a parábola é um
subterfugio para a necessidade de contar. Por vezes é o deixar algo de fora
propositadamente, tanto na fotografia quanto no texto, para que leitor ou
espectador possa completar e criar a sua própria imagem e história.
Por vezes ainda,
há que “passar recados” ou “dar lições” sem que isso se sinta de imediato e sem
ferir susceptibilidades.
Outras ocasiões,
não tenho o poder de síntese quanto baste e o resultado é essa mesma
multiplicidade de interpretações.
Em qualquer dos
casos, e enquanto autor (fraco mas autor), fico satisfeito quando é encontrada
uma qualquer história, mesmo que não alguma das originais. Se alguma reacção
acontece, mesmo que não a prevista ou mesmo que negativa, isso quer dizer que
de algum modo comuniquei com que vê ou lê. Que de algum modo saí da
trivialidade e consegui que alguém pensasse ou sentisse algo.
E isto para mim
é uma vitória.
Pentax K7, SMC
Pentax 50 1:1,2
By me
“Nada se perde,
nada se cria, tudo se transforma”, disse o mestre.
Esta é uma
verdade quase universal.
Porque a raiva,
essa, uma vez surgida dificilmente se transforma noutra coisa.
By me
Este é o meu saco de compras.
Em regra está no fundo da minha mochila, como reserva.
Mas tem o tamanho certo para livros, quer se trate de compra
ocasional quer se trate de ir a uma feira de livros de fotografia.
A afirmação refere-se ao dinheiro que lá se deixa e ao peso
que têm. Mas são sempre compras válidas, muito válidas.
Que os prazeres da boca têm o destino que lhes conhecemos,
enquanto que os prazeres da alma, esses, perduram muito para além de 24 horas
ou mesmo 24 anos.
Pentax K1 mkII, SMC
Pentax-M macro 100 1:4
By me
Querido Pai Natal:
Este é o meu pedido de prenda para este ano.
Eu sei que as coisas andam más e que talvez também aí tenham
chegado os cortes dos subsídios e das reformas. Velhote como és, imagino!
Por isso, este ano não te peço nada daquelas coisas do
costume: gadgets, paz na terra, saúde… aquelas coisas que toda a gente te pede
por esta altura.
Só te peço uma cabeça.
Nem sequer são muitas ou a colecção toda. Só uma e à tua
escolha.
Já sabes de que lote é que é: uma daqueles gabirus que nos
andam a tramar a vida a torto e a direito, todos os dias mais um nico.
Escolhe tu por mim, que o que escolheres me satisfará
certamente.
E se te mando já a carta com o pedido é porque sei que há
muitos a pedirem-te o mesmo. Espero que esta não chegue tarde e que não tenhas
já esgotado o lote por completo.
Mas, se estiver esgotado face aos pedidos, não penses que fico
triste: basta que me mandes uma fotografia (sabes como gosto disso) da colecção
toda assim, nas mãos de alguém. Não fico com inveja nem quero saber a quem as
deste. Certamente que as mereceram e mais do que eu, que nem sempre me portei
lá muito bem.
Beijinhos e até p’ró ano.
Pentax K7, Tamron 18-200
By me
Por vezes faço isto: Mais ou menos ao calhas pego num livro,
abro-o igualmente ao calhas e deixo que os meus olhos se prendam num qualquer
parágrafo.
Isto foi o resultado do exercício de hoje, pouco depois de
acordar. A imagem foi feita, também mais ou menos ao calhas, para acompanhar a
citação.
“Outro critério de fracasso é o do desenquadramento e da
descentragem: herdados das regras da composição pictórica em perspectiva, a
expectativa que se tem de uma “boa fotografia” é que o motivo principal esteja
centrado, situado no eixo do olhar, ao mesmo tempo que respeita o equilíbrio da
divisão da superfície em três terços horizontais e verticais. Mesmo vazio, o
centro propõe-se como ponto de referência, comandando a organização geral da
fotografia. A expectativa do centro como ponto forte das imagens que se julga
representarem a própria vida mostra até que ponto a convenção representativa
corrompe esta imagem privilegiada, porque vestígio, da ideologia (*). A vida, o
real, terão eles centro?
(*)A centragem não é apanágio da fotografia: encontra-se
também de forma sistemática no cinema, em particular no cinema clássico
hollywoodiano. Foi a pintura que, após ter instituído o Quattrocento, pôs em
causa, pelo menos desde o séc. XIX, a centragem na representação visual.”
in: “A imagem e a sua representação”, by Martine Joly, Edições
70, pag 95
Pentax K7, Sigma 70-300
By me
O Pai Natal passou por minha casa mais cedo este ano. E fiquei
apaixonado com o que me trouxe.
Bem sei que tem já 15 anos de fabrico, que pouco mais é que
uma “point and shoot” em digital, que o sensor já não se usa e que não tem
grande resolução perante os actuais padrões.
Mas é uma versão digital da velhinha Pentax auto 110, pela
qual estive apaixonado há 50 anos mas não tinha como a comprar.
Esta está em estado imaculado e, como se isso não bastasse, é
linda.
Por vezes um downgrade tecnológico é um upgrade afectivo e
estético.
Pentax K1 mkII, SMC Pentax-M
macro 100 1:4
By me
Eu queria começar o dia aqui com algo de bonito, sincero,
honesto, convincente.
Mas só me lembro de jornalistas e candidatos eleitorais, que
querem.
Nada acontece por geração espontânea. Há sempre um motivo para
cada coisa que nos sucede, e um motivo atrás desse, e um atrás desse, e um
atrás…
Se não tivesse dado aulas, não me teriam oferecido aquela
caneta. A que ganhei afecto e que, com o passar dos anos, acabou por se
estragar.
E se não lhe tivesse ganho afecto, não teria tratado de
arranjar uma substituta quase igual, que me acompanhou anos a fio.
E se a não tivesse comigo, não a teria emprestado.
E se a não tivesse emprestado não se teria estragado naquele
dia.
E se não se tivesse estragado naquele dia, não teria eu, hoje,
ido à procura de uma igual ou parecida.
E se não tivesse vindo aqui para a encontrar, não teria feito
esta fotografia.
E se não tivesse feito a fotografia, não teria embarcado,
depois, naquele autocarro.
E se não tivesse embarcado naquele autocarro, não a teria
visto.
Era preta e dava nas vistas. Pela sua magreza extrema. Mesmo
só pele e osso. Apesar de não parecer doente ou toxicodependente. Apenas muito,
muito magra.
Quando o autocarro chegou ao fim da linha, foi perguntar
qualquer coisa ao motorista. Que lhe respondeu: “É logo ali. O Rossio é logo
ali, é só ir andando.”
Mas o ar dela era de quem estava meio-perdida, quase a entrar
em pânico. Apesar de estarmos nos Restauradores, uns 200 metros de distância,
para quem não sabe é o mesmo que estar a 10Km. Meti-me ao barulho.
Abordei-a, ainda no autocarro, e perguntei-lhe se ia para o
Rossio. E que sendo, que viesse comigo que eu também ia para lá. (Não ia, mas
não era importante)
E fomos andando pela praça fora, comigo a ficar intrigado: por
mais que alterasse a cadência do meu passo, ela ficava sempre – sempre – um
passo atrás. Aquela senhora, preta, nos seus trinta e tal anos, muito magra,
fazia questão de apenas caminhar atrás de mim!
Ao fim de uns trinta ou quarenta metros oiço-a dizer algo de
pouco perceptível (não consegui identificar o seu sotaque) de onde se destacava
a palavra “comboio”.
Esclareci com ela se queria mesmo ir para a estação e ela
confirmou-o. “Vamos”, disse-lhe. “Passamos à porta.”
Cinquenta metros (ou setenta) depois, chegámos.
“É aqui e lá em cima. Sabe onde é?”
Não sabia de todo.
Venha que levo-a. E continuei.
Voltei a ser surpreendido. Não sabia usar as escadas rolantes
e ficou bem assustada no primeiro lance. No segundo já se entendeu, depois de
algumas palavras encorajadoras. Afinal, ninguém nasce ensinado.
Lá comprou o bilhete para a sua estação, que sabia de cor e
disse-me, meio confidente, que havia saído de casa sem carteira nem nada.
Depois de a levar às cancelas e de lhe indicar qual o comboio,
fez um sorriso, lindo apesar da magreza das suas faces, e disse-me enquanto se
curvava para a frente:
“Obrigado! Que Deus lhe pague. Obrigado.”
Fiquei meio envergonhado e afastei-me. Afinal, não merecia eu
tal agradecimento de forma alguma.
E, mentalmente, enderecei-o para aquele motorista da Carris
que, nesta mesma manhã e com uma luz quase equivalente, olhou em redor antes de
começar a andar, constatou que vinha alguém a correr, a uns bons cinquenta
metros, travou o autocarro e aguardou. E nem ouviu o que eu ouvi, e que bem
merecia. Que ele estava a trabalhar enquanto que eu… bem, pouco mais que em passeio.
Nada acontece sozinho e sem algo que lhe dê origem. Ainda bem
que trago sempre comigo a câmara fotográfica.
Nikon Coolpix P7000
By me
Em tempos estive inserido no mercado fotográfico. Fiz
fotografia de teatro, de publicidade e umas aventuras mínimas na reportagem.
Deixei essa actividade por três motivos: porque não precisava
dela para viver, porque odiava a competição insana do mercado e porque ouvi
vezes demais pedirem-me “faz baratinho”.
O não precisar da fotografia para viver é apenas uma força de
expressão. Tinha um outro ofício, regular e com ordenado certo, que me pagava
as contas. A fotografia era, e é, o que me alimenta a alma. E o que ganhei com
ela, se não serviu para por comida na mesa, serviu para pagar equipamento e
completar em satisfação e dinheiro o que fazia no meu emprego.
A competição é algo que odeio. Ninguém tem que ser melhor que
ninguém, ninguém tem que ser mais que ninguém, ninguém tem que ter mais que
ninguém. O mundo e a vida são suficientemente cheios e ricos para que todos
possam ter o seu quinhão sem que com isso tenham que apoucar os demais. E se eu
não vivo de menorizar ninguém, não gosto de ser alvo disso mesmo.
O pedirem para fazer baratinho é algo que me desagrada
profundamente. É menosprezar o trabalho, é achar que o que se sabe fazer pouco
vale e que o tempo investido para aprender e melhorar é de borla. Prefiro,
desde sempre, oferecer os meus préstimos de borla a fazer baratinho.
Acrescente-se que aqueles que agora estão a entrar no mercado
e que fazem baratinho, não apenas estão a apoucar o que fazem como estão a
prejudicar todos os outros, ao fazer baixar os preços ao limite das despesas
directas.
A única situação é que peço desconto é quando, em pagando
algo, pergunto se tenho direito a desconto por pagar em dinheiro trocado. E a
única resposta que espero obter em troca é um sorriso divertido que ajude a
quebrar a monotonia a quem está do outro lado do balcão.
Divirtam-se e façam o
favor de ter uma vida cheia.
Samsung S1060
By me
A fotografia não tem que ser explícita.
E as leituras não têm que ser instantâneas.
Pentax K1 mkII, SMC
Pentax-M macro 50 1:4
By me
O tipo de ofício que tinha proporcionava estas situações, que
os horários eram demasiado malucos e instáveis:
Uma ocasião uma colega viu-se na contingência de ter que levar
a filha para o trabalho.
Coitada da pequena, que frequentava o 4º ano, lá se ía
entretendo como podia, sem atrapalhar o que ali se fazia. E a dado passo,
talvez que as minhas barbas tenham sido um incentivo, veio perguntar-me se
haveria papel disponível para escrever ou desenhar.
Claro que havia e indiquei-lhe onde. E ficámos um nico de
conversa na qual acabei por lhe contar a história do Joãozinho e do seu barco.
Contá-la-ei aqui noutra ocasião.
Mas, na sequência disto, acabámos por falar de aviões de
papel, de como fazer e quais os modelos.
Enquanto eu lhe mostrava um deles, dobrando e vincando a folha
com afinco e rigor, qual engenheiro aeronáutico, lembrei-me de tantos
produtores de imagem, estática ou animada, que tanta questão fazem em “dobrar”
a imagem a meio com o horizonte, ou de lhes aplicar regras matemáticas exactas,
como o número de ouro, ou ainda algoritmos digitais aplicados às cores e luzes,
deixando de parte o equilíbrio, a harmonia subjectiva, a criatividade, o
expressar da alma.
Se a estética se resumisse a fórmulas e regras, há muito que
os computadores teriam produzido obras-primas igualáveis apenas por outros
computadores.
Pentax K1mkII, SMC
Pentax-M macro 50 1:4
By me
Ir à feira do livro da fotografia faz-me mal à alma.
É que venho de lá com a tristeza de saber que estão ali tantas
e boas obras, nas quais muito poderia descobrir e aprender, e ver-me na
contigência de ter que fazer escolhas. Entre o que quero e o que posso, entre o
conhecido e o desconhecido. Teóricos, monográficos ou colectânias.
Não que isso faça de mim melhor no que faço, mas empurra-me
para algum lado mais à frente que aquele onde estou.
Este é um dos exemplos das escolhas deste ano.
O que nos é dito na contra-capa abre o apetite para outras
leituras que não as mais recentes e, neste caso, por um autor que desconheço.
Para alguma coisa foram inventadas as longas noites de
inverno.
Pentax K1 mkII, SMC
Pentax-M macro 50 1:4
By me
Certo!
Já por cá ando há um bom pedaço mais de meio século, pelo que
o apodo de “cota” não será de todo desajustado.
Em termos de captação e tratamento de imagem, ao já por cá
andar há tanto tempo, fez com que usasse de quase todos os sistemas e suportes:
películas e sensores, químicas e electrónicas, CCDs, CMOS e tubos de raios
catódicos, matricial e sequencial, pequenos médios e grandes formatos,
estáticos, animados e de alta resolução.
Alguns desses processos tornaram-se com que uma segunda
natureza para mim, outros mais não são
que história, outros ainda me são um pouco estranhos, não os dominando. E acredito
que quem teve a sorte, como eu, de passar por tantos e tão díspares tenha
dificuldade em estar a par de todos e que alguns deles pouco mais sejam que
anacronismos curiosos ou tecnologias a dominar.
Por mim, que por dever de ofício ou satisfação da alma, tenho
vindo a dominar ou a arranhar todos eles, tenho optado conhecer tão a fundo
quanto me é possível o que tenho entre mãos, preocupando-me bem mais com os
resultados que com os métodos. Quero “contar uma história”, e bem contada, com
a ferramenta que estou a usar, preocupando-me a sério com as últimas
tecnologias se e quando elas tiver que usar. Mantenho-me informado mas não as
aprofundo como as que estou a usar ou em perspectivas disso.
Uma coisa há, no entanto, que é imutável. Que não depende dos equipamentos
ou das tecnologias empregues: a luz. Esta, mais assim ou mais assado, com
origem em aquecimento, descargas ou ionização de gás ou LEDs, continua a ser a
emissão e reflexão de fotões, que têm uma trajectória rectilínea e um movimento
ondulatório, cujas frequências são por nós traduzidas em cores, cuja
interrupção na sua trajectória resulta em sombra, com uma intensidade variável
na proporção inversa do quadrado da distância, cujo ângulo de reflexão é igual
ao ângulo de incidência, e cuja trajectória é alterada pela aplicação de
energia ou com materiais que lhe sejam permeáveis.
Mas, e principalmente, é ela que permite o captar imagem,
sejam quais forem as tecnologias empregues. É ela que faz com que um dado
assunto seja mais “bonito” ou nem tanto. É ela que nos permite contar histórias
e estórias.
Nenhum fotógrafo, videógrafo, cineasta, profissional ou
curioso interessado, ignora que ela é a sua matéria-prima nem a maltrata ou
menospreza. Em o fazendo, os resultados são os que vamos vendo, infelizmente,
na net e na imprensa, nos receptores.
Sendo esta a minha abordagem – talvez que de cota com mais de
meio século – imagine-se como me sinto ao ter conversas com alguns da nova
geração que entendem que a imagem se capta “mais ou menos” e que os contrastes,
os ajustes das altas e baixas luzes, as sombras, os jogos de cor se tratam
depois, desde que se possua uma boa máquina para os processar.
Um bom pós-processamento é vital na produção de imagem. Sempre
o foi. E, se outros motivos não existissem, basta pensar que fotografia, vídeo
e cinema têm – sempre – que ser objecto desse tratamento. Tanto na edição, como
no controlo, na impressão, na etalonnage, nos efeitos especiais…
Mas com má matéria-prima – no caso, má imagem de origem ou má
luz – por muito que se esforcem o mais que se consegue é um resultado sofrível.
Se tanto. Nem mesmo os últimos avanços tecnológicos conseguem suprir essas
falhas.
Dizerem-me que para se fazer uma boa imagem basta um gráfico
de luzes e tons, estático ou animado é o mesmo que me dizerem que para Bruegel
ou Leonardo bastava um bom pincel, que para Stanley ou Alfred bastava uma boa
película ou que para Helmut ou Frank bastava um bom ampliador.
Serei cota com um pedaço mais de meio século a arrastar a
carcaça mas, para mim, bem mais importante que o como é o porquê.
Pentax K7, Sigma 70-300
By me