Para não cairmos em generalizações, ou no vulgar, é quase sempre preferível falarmos em nome próprio, ou seja, das nossas experiências pessoais. Assim, quaisquer argumentos são em primeiro lugar válidos, e só, para nós próprios e não sofrem da pretensão de se apresentarem como factos inquestionáveis. Tudo, na verdade, é subjetivo.
Há cerca de um ano comecei a olhar com interesse para a fotografia analógica. Tenho de admitir alguma influência pelo facto desta estar na moda: maior presença e visibilidade impedem-nos de não olhar para algo. Mas, como não existem dois percursos iguais, mesmo que o destino seja mais ou menos o mesmo, pouco a pouco começaram a definir-se alguns argumentos para mim, em particular. As minhas justificações para o impulso.
Em primeiro lugar achei fascinante o entusiasmo dos analógicos (vamos chamar-lhes assim…). Um entusiasmo muitas das vezes (quase) naif . De seguida, a simplicidade do processo. Simplicidade no sentido de que uma câmera analógica é bem mais simples do que uma digital e não simplicidade no processo em si, desde a captura, até ao acesso às imagens. Comecei então a perceber, à minha maneira, o apelo do analógico.
Entra aqui o conceito de Detox Digital. A fotografia digital oferece aparente simplicidade e gratificação praticamente imediata. Mas cansa. Não indo além dos 35mm (ou full frame), que é o que conheço, posso começar por dizer que o investimento inicial é bastante elevado (nos últimos anos muito mais ainda) e, se depois pretendermos “melhorar e crescer” queremos imediatamente melhores câmeras, melhores (e sempre mais em número) objetivas, filtros, flashes, esquipamento de estúdio, cartões de memória, software de edição, computador e ecrã adequados, mais espaço em disco (interno em externo), sacos, mochilas, etc, etc. Tudo isto é invariavelmente caro. Qualquer fotógrafo, amador que seja, facilmente gasta e acumula ao longo dos anos largos milhares de euros em equipamento fotográfico. E, quando já tem tudo, ainda quer mais aquele gadget inútil. Nunca mais acaba.
Gatekeeping significa grosso modo controlo de acesso, normalmente a informação. Vou, contudo, utilizar a palavra num sentido mais livre. Quem entra mais ou menos a sério no mundo da fotografia digital depara-se desde logo com a maior das falácias (e muitas vezes nunca toma consciência da mesma e não se liberta dela): para seres bom fotógrafo e fazeres boa fotografia deves ter o melhor equipamento que o dinheiro pode comprar. E pior, se não tiveres esse equipamento, porque não o podes comprar, ou por opção, és um fotógrafo menor e deves sentir-te como tal. No entanto, este logro é dos mais fáceis de desmistificar. Basta olhar para os quase 200 anos de história da fotografia e entender a espantosa evolução tecnológica que se verificou. Sendo assim, quantas imagens e fotógrafos do século XIX e XX em nada devem a imagens e fotógrafos do século XXI?
O que é lamentável, pelo menos para mim, é que o gatekeeping é promovido não só pelos fabricantes (sendo um negócio tal é perfeitamente entendível) mais por uma grande faixa de profissionais, e não só, que por elitismo e fanatismo (no sentido de ser grande fã de algo) o promovem grande parte das vezes sem nenhum ganho pessoal. Ou seja, promovem interesses que nem são os seus.
Regresso agora ao meu elogio ao analógico. Recomecei pois (porque ainda sou desse tempo, como se costuma dizer) pouco a pouco a fotografar em analógico. Na verdade, ainda estou no início do início desse recomeço, pelo que a impressões que quero deixar serão precoces e quiçá imperfeitas. Mas é o que começa a definir-se em mim.
Acima de tudo já começo a sentir o Detox Digital. Fotografar pelo prazer que sempre me dá a fotografia mas sem a “pressão” de verificar de imediato se está bem ou não, se tenho de repetir, muito maior ponderação e cuidado no momento de carregar no botão de disparo (o que tem resultado num rácio maior de imagens aproveitáveis), fotografar menos, mais espaçada e conscientemente, isto é, fotografar melhor com maior preocupação em fazer bem à primeira, maior e muito melhor lag emocional (desprendimento em relação à imagem pelo tempo que demora a ter acesso à mesma permitindo uma melhor avaliação), melhor gestão da ansiedade (pode parecer que nada tem que ver com fotografia, mas tem) pela necessidade de ser paciente e aguardar pelos resultados e nenhuma ou muito pouca pós-edição (ganho essencialmente em tempo mas também em honestidade [não quero parecer snob mas uma fotografia sem edição ou muito pouca é de certa forma mais honesta, não é?]). E mais boas impressões existirão mas ainda mais esta: a libertação e gozo que dá fotografar com uma câmera simples simplesmente torna tudo mais… simples.
E para terminar: nada de gatekeeping! A felicidade é uma SLR com 40 anos, uma clássica 50mm F/1.8, um rolo a cores ou a P&B e sair para o mundo à descoberta.