Um primeiro-ministro saloio

Começo por dizer que os saloios da Malveira me merecem todo o respeito.

No entanto, o termo saloio é usado na linguagem corrente como sinónimo de palerma, atrasado, deslumbrado com os ricalhaços, assim uma espécie de novo-rico que se quer armar em selecto, em frequentador dos grandes salões.

Montenegro é isso mesmo.

E esta mensagem de Natal só veio comprová-lo.

O que raio é isso de ter a mentalidade de Cristiano Ronaldo, algo que ele acha que todos nós devíamos ter?

Ser acusados de fugir ao fisco e pagar uns quantos milhões para que nos limpem o cadastro?

Ser acusados de assédio sexual e pagar para que a queixa seja retirada?

Esta é que deve ser a nossa mentalidade?

O Montenegro deve estar fascinado com a fortuna do Ronaldo e deve aprovar o facto de ele estar, agora, ao serviço dos xeiques sauditas, marcando golos extraordinários para gáudio daqueles abusadores de mulheres – e deve achar que o Ronaldo foi o maior ao visitar o fascista do Trump em plena Sala Oval, ladeado pela sua esposa, ambos em êxtase perante o líder da maior potência agressora do Mundo!

Que grande saloio que tu és, ó Montenegro!

Achas que estás credibilizado pelas duas vitórias eleitorais à tangente?

Que estás safo depois do Amadeu te ilibar?

Como é que dormes à noite?

Tão pequenino que és, pá…

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O peido que a Dona Marquesa deu, não foi ela, fui eu!

Bocage continua actual.

Todos escutámos, com muita atenção, as declarações do ministro da educação, Fernando Alexandre.

Disse ele:

“Vamos ter residências renovadas que daqui a cinco anos vão estar todas degradadas… é por colocar na residência universitária estudantes dos meios mais desfavorecidos que se degradam…

A prática do Estado é não misturar e pôr nas residências universitárias os estudantes de meios socioeconómicos mais desfavorecidos.

E por isso, já agora, é que elas se degradam, por isso é que elas depois não são cuidadas”.

Resumindo: metendo os estudantes pobres, todos juntos, nas mesmas residências universitárias, os filhos da puta, estragam tudo porque estão habituados a casas degradadas, a não limpar os quartos, a cagar nas alcatifas e a partir a loiça e os vidros das janelas. O que eles mereciam era ir todos para um daqueles bairros de Loures ou do Monte de Caparica para aprenderem a passar a dar valor ao que o Estado lhes oferece, à custa dos impostos dos liberais que se fartam de trabalhar e de descontar.

Elevador social, caraças!

Claro que o ministro Fernando Alexandre não queria dizer isto, mas fugiu-lhe a boca para a verdade.

E disse mais:

“Quando metemos pessoas que são todas de rendimentos mais baixos a beneficiar de um serviço público, sabemos que o serviço se deteriora. É assim nos hospitais, nas escolas públicas, sabemos que é assim.”

Que mania que o Estado tem!

Pobres para um lado – ricos para outro e remediados, logo se vê.

Mas ele não queria dizer nada disto!

Como já dizia Bocage…

O pum que o Alexandre deu, não foi ele, foi outro qualquer…

“Histórias que as Ruas Contam”, de Rui Passos Rocha (2025)

Que grande paciência teve Rui Passos Rocha, para estudar todas – todas! – as ruas de Portugal, continental e ilhas, e engendrar este curioso livro.

Depois de estudar a base de dados dos CTT, RPR dividiu o livro em capítulos, onde elencou as ruas mais significativas: Fontes, lavadouros e flora de um país agrário; religião; sociedade; política; forças armadas.

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A propósito das várias ruas, textos bem urdidos e com uma visão progressista da História.

E muitas curiosidades:

“Grândola tem um merecido Largo Zeca Afonso, muitas ruas 25 de Abril e da Liberdade, e três ruas Catarina Eufémia. Tem uma promissora Estrada da Aldeia do Futuro e, porque o passado (soviético) também pesa naquelas paragens, uma peixaria, de seu nome Gagarine, bem no centro da vila. Já a industrial Sines, a meia hora dali, tem a obrigatória rua do Operário e duas ruas da Reforma Agrária”.

Esta outra tem a ver com a minha zona:

“E Almada tem, mesmo junto ao Cais do Ginjal e ao rio Tejo, uma histórica Fonte da Pipa. Construída em 1736 no local de uma antiga nascente, a fonte abasteceu durante mais de dois séculos a população de Almada, muita da qual subia e descia diariamente as ruas da cidade para levar para casa a preciosa água.”

E mais esta:

“Com tudo isto, porém, é de estranhar que o papa (João Paulo II) apenas tenha uma pobre travessa em Fátima. Esperar-se-ia mais. Tem, ainda assim, uma rua (e, perto dela, uma estátua bem no recinto do santuário) na Cova da Iria, não longe da cafetaria com o magnífico nome de Pecado Original”

Ventura é um lavagante

Depois de 40 anos de Medicina, 33 dos quais como Médico de Família, depois de ter assistido à melhoria espectacular dos cuidados de saúde neste país, de ter passado pelas Caixas de Previdência, pelo Serviço Médico à Periferia, pelos Centros de Saúde e por ter visto a evolução dos hospitais públicos, depois de ter visto como foi instituído o salário mínimo, o direito à greve, de ter visto a instituição de um período de férias, coisa que o meu pai não teve, a liberdade de expressão, o fim da guerra colonial, que era uma espada sempre em cima da minha cabeça, caso chumbasse um ano na faculdade e, mesmo assim, ainda tive de cumprir o serviço militar obrigatório, já depois de ser médico, passando um ano e meio a passar receitas para as famílias dos oficiais, depois de ter assistido ao direito à reforma, de ter visto a minha avó, que trabalhou e não descontou, a ter direito a uma reforma mínima, depois de ver a sociedade portuguesa a desenvolver-se na cultura, na música, na dança, na literatura, sem censura, sem amarras, depois de ter trabalhado num Centro de Saúde durante mais de 30 anos, perto de Bairros sociais e de ter convivido com uma população carente e muito diversa, com brancos, negros, indianos, mestiços e ter sentido toda essa diferença e ter percebido que, no fundo, somos todos iguais – vejo-me agora, com quase 73 anos, rodeado por energúmenos, egocêntricos, fascistóides, gente sem empatia, que só pensa em si própria, que tem ódio pela diferença, liberais, gente de extrema-direita, facínoras que não me merecem mais do que um vómito.

Começa no Putin e passa pelo Trump, o Órban, a AfD, a Meloni, o Vox, o Milei e, por cá, o miserável André Ventura, um tipo full of shit, capaz de se ajoelhar na igreja e rezar e, ao mesmo tempo, cagar no próximo se ele tiver uma pele de cor diferente, um tipo que não tem empatia por ninguém, a não ser por ele próprio e pelos seus apaniguados, um ignorante que não conhece as dificuldades das pessoas, que não se sente solidário com nada, um católico de merda, daqueles capaz de rezar hoje e pecar amanhã, porque é absolvido pela hipocrisia da Igreja.

Infelizmente, o desprezível Ventura tem muitos seguidores. Não quer dizer nada. Hitler também ganhou as eleições e fez o que todos sabemos. O rapaz é tão básico que, com os seus argumentos de taberna, consegue arrastar consigo todos os que, como ele, só têm argumentos rasteiros.

Qual é o programa para a Saúde do Chega: acabar com a corrupção e expulsar emigrantes.

E qual é o programa do Chega para a Educação: acabar com os alunos emigrantes e com a corrupção.

E no que respeita à Justiça, o que propõe o Chega: acabar com a corrupção e não deixar entrar mais emigrantes.

A isto se resume o programa daquele partido.

E a comunicação social deixa andar. O Ventura garante audiências. Ninguém o questiona sobre as suas propostas para o país, sobre o famoso governo sombra, que nunca teve intervenção pública, sobre o sindicado Solidariedade que ele disse que iria criar e que nunca saiu do papel. O Chega é o Ventura e pouco mais.

E este país está rendido a essa figura básica, iletrada, ignorante, um xico esperto sem estofo para governar.

Espero bem que venha a ser primeiro-ministro, para que o povo português perceba o que é ser governado por um lavagante, um tipo que andou a engordar o safio e que, quando ele ficou bem gordinho, o comeu.

Todo!

“O Desfufador”, de Valério Romão (2025)

Tenho feito um esforço, juro que tenho, mas desisto hoje, na página 262.

Quando li a entrevista ao autor, Valério Romão, no Ipsilon, do jornal Público, pensei que ia ser um livro que me iria divertir e, por alguma razão, lembrei-me de António Rebordão Navarro e do seu livro de 1972, “O Discurso da Desordem”, que li em março de 1973, com apenas 20 anos, deslumbrado com aquela narrativa revolucionária.

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A entrevista que o Público publicou sobre este “O Desfufador” até falava no velho Mário-Henrique Leiria. Coitado! Daria voltas na campa se estivesse para aí virado! Mas o que é que o pobre do Mário teria a ver com isto?!

“O Desfufador” é um livro que não incomoda ninguém porque ninguém o pode levar a sério, quando um dos seus personagens principais é o Alex, um anão que tem “corpo de pónei e sarda de cavalo”. Mas que merda de piada é esta?!

A ironia do Mário-Henrique não tem nada a ver com este chorrilho de palermices!

E eu sei o que estou a dizer…

O que é isto, afinal?

“Ao que o homem pobre não se pode negar (…) era transformar o sonho em fumo (…) ele que sempre sonhara ir ao cu a uma gaja e nunca o tinha feito”

Ou isto, na página 145:

“… quanto à execução de um orçamento cuja leitura e avaliação por parte do eleitor comum estaria, normalmente e em termos de prioridades, bem abaixo da sujeição a uma colonoscopia caseira às mãos de um tio parkinsoniano munido de uma mangueira de bombeiro”

Não, não me sinto ofendido, nem sequer me ruborizo por esta linguagem – simplesmente acho-a infanto-juvenil, como mais este exemplo absolutamente idiota, na página 181:

“a prova de que o português, em focando-se e trabalhando em grupo (!!! Exclamações minhas), é capaz de expulsar qualquer um e reclamar o que é seu. E havia que afastar da cachimónia a ideia de pequenez lusitana, a ladainha do povo simpático sempre enrabado pela sarda estranja, dos bons costumes a troco da gorjeta liliputiana…”

O autor parece enfeitiçado pelos termos “camurço” e “sarda”.

Chega de exemplos.

Fiz em esforço do caralho para ler esta preciosa merda até quase às 300 páginas e assusto-me só de pensar que ainda vai sair mais um volume.

A culpa é apenas do tipo do Público, cuja entrevista me fez despertar o interesse por esta miséria.

Volta Rebordão Navarro!

“Maligna Ofélia! Deves estar na tarde de domingo num café de domingo, com famílias passadas a papel químico, filhas iguais às mães, filhos iguais aos pais, criados baralhados nas contas, queixando-se dos joanetes e um cego que senta numa cadeira vazia e toca duas músicas antigas num acordeão ainda mais antigo, enquanto o seu acólito, um tipo de oleosa, doentia gordura explodindo no intervalo das rugas, passa de mesa em mesa uma caixa-mealheiro onde os cavalheiros depositam o seu pequeno óbulo”.
(in “O Discurso da Desordem”, 1972)

Mas o que me deu nesta cabeça, para me lembrar deste pequeno-grande livro do Rebordão Navarro quando li a entrevista ao autor deste “O Desfufador”.

Cenas…

O gato pedófilo do Chega

Já nada me espanta!

Um dos vice-presidente do Chega, um tal Frazão, que é veterinário, decidiu castrar um gato num dos gabinetes que aquele partido ocupa na Assembleia da República.

E colocou nas redes sociais fotos em que se vê ele, Frazão, com os dois minúsculos testículos do gato na mão, exibindo-os, como quem diz: vêem, pedófilos – é isto que vos faremos quando formos governo.

Que engraçado!

Os deputados e deputadas do Chega são isso mesmo: adolescentes idiotas que estão fazendo, agora, o que nunca puderam fazer no seu tempo.

Nós sabemos que o Chega preconiza a castração para os pedófilos; é de supor que, de algum modo, perceberam que o pobre do gatinho era um pedófilo de merda e sacaram-lhe os colhões! Bem feito!

Mas são estes energúmenos que nos querem passar a governar?

Felizmente, já não os terei de aturar muito mais tempo!

“O Último Avô”, de Afonso Reis Cabral (2025)

Nem de propósito, acabei de ler hoje o último livro de Afonso Reis Cabral, que se refere ao avô do narrador, um conhecido e afamado escritor, chamado Campelo (não sei porquê, mas identifiquei-o como o Lobo Antunes), que morrera sem publicar nada relacionado com a guerra colonial.

E digo, nem de propósito, porque os apaniguados do 25 de novembro, esquecem, de propósito, o que o 25 de abril fez de mais importante: acabar com a guerra colonial!

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Claro que falo em meu benefício, mas é verdade que, para mim, tão importante como o fim da ditadura, o 25 de abril significou o término daquela guerra que não fazia qualquer sentido histórico, já que todos os países europeus já tinham concedido a independência às suas colónias africanas.

O narrador deste livro é um jovem que viveu numa comunidade “hippie” no Algarve e que tem uma ligação muito importante com o avô escritor.

No fundo, o segredo deste livro é a intervenção do avô na guerra colonial, já depois do 25 de abril, num lugar tão problemático como Cabinda.

Afinal, parece que o avô não era assim um grande herói: ”O Campelo nunca o pôs o pé no mato, homem!, continuou o Anselmo. “Nem o dedo no gatilho, porra. Eu não sou ninguém para julgar, ainda menos se fosse por objeção de consciência ou motivações políticas…”

Gostei muito deste livro.

A guerra colonial continua a ser um assunto tabu na sociedade portuguesa, ainda hoje ouvi o cabrão do Ventura perorar contra o facto dos antigos combatentes não estarem a receber aquilo que deveriam. Tão preocupado que ele estava, coitadinho!… E, no entanto, deve estar bem se cagando para os antigos combatentes – ou será que, caso consiga tornar-se primeiro-ministro, irá propor que a tropa portuguesa regresse aos territórios ultramarinos?

Há coisas na História que não podemos mudar e a descolonização foi o que foi – se há muita gente que foi prejudicada, também há muitos que se lixaram por causa da guerra, quer por mortes e feridas graves, quer por situações que ficaram suspensas, aguardando pelo fim da guerra.

O livro de ARC não fala de nada disso, fala apenas de um neto que é influenciado por um avô, que ele pensa ter sido um eventual herói e que, afinal, foi mais um que se viu envolvido numa guerra sem significado.

Aconselho!

25 de novembro – festejar o meu desemprego?

No dia 25 de novembro de 1975, eu era um simples redactor do Telejornal da RTP – o único canal de televisão que existia no país.

Naquela altura, redactor era o nome correcto – jornalista veio mais tarde.

Quando os para-quedistas ocuparam os estúdios do Lumiar da RTP, ficámos um pouco sem saber o que fazer – mas quando vimos alguns dos nossos colegas de redação, de armas na mão, percebemos – pelo menos, eu percebi, que aquela não era minha guerra.

Entretanto, o Duran Clemente ocupou a emissão e começou a explicar o que era difícil de explicar.

Eu e mais alguém, achando que aquilo estava a ir longe de mais, abandonámos o nosso local de trabalho.

Desci a rampa que dava acesso aos estúdios do Lumiar e vim para casa.

Quando cheguei ao nosso pequeno apartamento em S. Domingos de Benfica, disse à Mila: estou desempregado!

Estava na RTP como jornalista desde junho de 1974, a convite do Álvaro Guerra e, achava que, graças ao 25 de novembro, estava desempregado.

Felizmente, durante o mês de dezembro de 1975, arranjei lugar como repórter do Jornal de Notícias, com filial no Bairro Alto. A família não ficaria sem ordenado.

No fim de dezembro de 1975, o Joaquim Letria telefonou-me: não queres voltar para a RTP?

Claro que queria!

Voltei e fui nomeado responsável pela edição da noite do Telejornal.

Foi assim o meu 25 de novembro e quero que esses filhos de um cabrão, todos, de Direita, se fodam todos bem fodidos – não sabem o que é temer ir parar com os costados em África, a dar tiros e a defender o que nunca foi nosso, o boçal do Ventura e dos seus apaniguados que nem sabem estacionar os carros em sítios legais, os palermas do CDS, como aquele pateta que inventou as rosas brancas do 25 de novembro, como se a disputa entre as duas datas fosse uma questão de flores!

O 25 de abril para além de nos dar a liberdade, livrou-nos da guerra colonial. Claro que nos permitiu, também, ter monstros como o Ventura, que é um ignorante merdoso, falso cristão e absoluto cabrão.

Apesar de tudo, prefiro ter de aturar energúmenos como o Frazão e aquele forcado amador que, com a sua barriga gordurosa suja as cadeiras de S. Bento, do que continuar sob o jugo dos marcelistas e da Pide.

Mas tenham muita atenção: os sacanas do Chega, se conseguirem chegar ao governo, vão estacionar no Martim Moniz e em todo o lado, sem seguir nenhuma regra porque passarão eles a ser os senhores de isto tudo!

“A Harmonia das Esferas”, de João Paulo André e Carlos Fiolhais (2025)

A Música tem a ver com tudo e João Paulo André, professor do departamento de Química da Universidade do Minho e Carlos Fiolhais, professor emérito da Universidade de Coimbra (e dizer isto destes dois é muito pouco), demonstram-no ao longo destas mais de 300 páginas.

Depois de nos oferecerem elementos de música e acústica, comprovam que a Música tem a ver com a Matemática e a Astronomia, com a Física, a Química, as Ciências da Terra e do Ambiente, as Ciências da Vida e as Ciências da Saúde.

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Um pequeno exemplo deste último capítulo que, por razões óbvias mais nos toca:

“Embora a ópera tenha nascido em Florença, no final do século XVI, com Dafne, de Jacopo Peri, a doença é uma condição inerente à Humanidade. De facto, a presença da doença já se faz sentir, ainda que de forma subliminar, na primeira de todas as óperas: Eros dispara sobre Dafne uma flecha de chumbo, fazendo-a rejeitar as investidas de Apolo, que, por sua vez, fora atingido por uma flecha de ouro.

Enquanto o ouro é um metal inerte, o chumbo é um metal tóxico que pode causar uma condição conhecida como plumbismo ou saturnismo, frequente em pessoas que trabalham com este elemento químico ou vivem em ambientes contaminados (…) O termo saturnismo remete para o planeta Saturno, que na alquimia estava associado ao chumbo (enquanto o Sol correspondia ao ouro e a Lua à prata). Verdadeiro espelho da vida – e, por conseguinte, também da morte – , o reportório operático tornou-se um repositório de doenças. Uma análise a 493 óperas, compostas entre 1977 e 2016, revelou que 53 (11%) incluíam um paciente e/ou um médico entre as suas personagens.”

Rico em pormenores deste género, este livro é um bom companheiro para tardes de chuva.

“O que Podemos Saber”, de Ian McEwan (2025)

McEwan continua a ser um dos meus escritores preferidos e este último livro é mesmo muito bom.

Thomas Metcalfe é um universitário académico que estuda a literatura do século 21. Ele e a sua companheira Rose, também académica, vivem em 2119, numa Europa destroçada pelas alterações climáticas, numa Inglaterra transformada num arquipélago, depois da Grande Inundação, num mundo totalmente alterado pela Desordem, em que a América voltou à confusão do wild west e em que a Nigéria domina a internet.

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McEwan não perde muito tempo a explicar como é o planeta Terra no século 22. A história é narrada por Thomas e ele vive naquela actualidade e não sente necessidade em explicá-la, dando-nos, apenas, algumas pistas que nos permitem pensar que o mundo mudou muito depois de ataques nucleares e alterações climáticas extremas.

Thomas está obcecado por um poeta inglês do século 21, Francis Blundy e, sobretudo, pela sua mulher, Vivien. Na noite em que Vivien festejava o seu 54º aniversário, Francis ofereceu-lhe um poema, em forma de coroa, uma série de sonetos em que o último verso é o primeiro verso do soneto seguinte. Seria uma cópia única, escrita em pergaminho, e que até então, nunca tinha sido encontrado.

Francis Blundy não acreditava nas alterações climáticas, mas Thomas pensa que talvez aquele poema pudesse mostrar que ele estava a mudar o seu pensamento e não descansa enquanto não o encontrar.

Entretanto, pesquisa tudo o que pode sobre o poeta, a sua mulher e os amigos que estiveram no célebre jantar onde o poema foi lido, vasculhando e-mails, diários escritos on-line e outros documentos. Acabará por deduzir que o poema poderá estar enterrado algures perto da propriedade onde Francis e Vivien viveram, entretanto, localizada numa das pequenas ilhas, onde apenas se pode ir de barco dirigido por um capitão conhecedor daquele mar estranho, cheio de torres de igrejas.

O que fica de cada um de nós quando morremos?

Daqui a cem anos, o que poderão saber sobre cada um de nós? Por mais fotos que publiquemos no Instagram, por mais post colocados no X, ou no Facebook, ou no Whatsapp, por mais blogs que inventamos, como poderá alguém, daqui a cem anos, reconstituir a nossa vida, as nossas intenções, o que de facto nos aconteceu?

É isso que McEwean nos mostra, magistralmente, com a segunda parte deste livro, um longo capítulo, em que Vivien Blundy nos conta a sua vida e as suas atribulações e nos revela um segredo que não consta de nenhum e-mail, de nenhum diário, de nenhum registo informático.

Mesmo depois de lermos esse longo capítulo, a nota final que McEwan acrescenta e que diz que esse capítulo foi anotado e editado por Thomas Metcalfe deixa-nos a dúvida: será que essa é toda a verdade?

Um dos melhores livros que li nos últimos tempos!

Outros livros de McEwan: A Barata; Máquinas Como Eu; Numa Casca de Noz; A Balada de Adam Henry; Mel; Na Praia de Chesil; Cães Pretos; Entre os Lençóis; O Jardim de Cimento; Solar; Lições